Muitos desenhos animados têm mais violência do que filmes para adultos
Os pais saem de casa para o trabalho e em algum momento do dia a mãe telefona para conferir:
– As crianças estão bem?
– Sim – alguém do outro lado responde. – Estão vendo televisão.
A realidade não é bem essa. Nem sempre as crianças estão bem quando assistem à televisão. Isso é o que aponta uma pesquisa publicada no British Medical Journal no fim de 2014. O estudo realizado por Ian Colman e James Kirkbride compreende a análise de 45 filmes infantis que vão do clássico Branca de Neve (1937) ao contemporâneo Frozen (2013).
Segundo os pesquisadores, os desenhos têm mais violência e assassinatos do que muitos filmes para adultos, incluindo as renomadas produções Pulp Fiction (1994), O Exorcismo de Emily Rose (2005) e Cisne Negro (2011). “Em vez de ser uma alternativa inofensiva e mais suave que os filmes de terror e dramas, os desenhos animados mostram, de fato, assassinatos e desordens”, concluem os autores.
O estudo mostrou que nos desenhos animados o protagonista têm quase três vezes mais chances de morrer do que nos filmes para adultos. O mesmo acontece com os pais dos personagens principais, que chegam a ter até cinco vezes mais chances de passar por algum tipo de morte trágica.
A mãe de Bambi foi morta por arma de fogo; a do peixinho Nemo foi devorada por uma barracuda; o pai do leão Simba acabou sendo esmagado por uma manada de gnus; e Tarzan ficou órfão depois de um ataque de leopardos. Todas as mortes, além de tocantes, ocorrem logo no início dos filmes. Os vilões também costumam morrer de forma trágica. E, surpreendentemente, não há diferença no grau de violência entre os desenhos mais antigos e os atuais.
Quais são as consequências disso na mente infantil? A televisão e o cinema, de algum modo, colocam a violência no lugar-comum, como algo trivial, podendo ser até divertida. Valoriza a força bruta em detrimento da inteligência e da moralidade. O estudo de Ana Lúcia de Oliveira Morais sobre crianças e violência na TV adverte que uma cena que dura apenas alguns segundos é recordada a longo prazo mais do que qualquer outro flash da trama. Como efeito direto, as crianças imitam frequentemente as cenas violentas dos filmes. Elas transformam isso em jogos que incluem socos e chutes, brutalizando-se, magoando outras crianças e reforçando a ideia de que “é o mais forte que tem razão”.
Em média, os programas infantis apresentam 25 atos de violência por hora. Por isso, as crianças que assistem mais desenhos costumam ser mais agressivas do que as que veem pouco. Elas também temem mais a violência do mundo real ou ficam insensíveis a essa violência com o passar do tempo, afirma a pesquisadora.
Os desenhos violentos afetam também as crenças e valores das crianças. É o que defende Henry Giroux, um dos maiores representantes da teoria crítica educacional da atualidade. Henry critica principalmente a “disneyzação” da cultura infantil. Segundo ele, a Disney é mais real do que se imagina, pois é uma instituição cultural massificadora que se esconde atrás de um manto de inocência e de entretenimento, mas que, na verdade, se esforça para dominar a mídia global e moldar os desejos, as necessidades e o futuro das crianças.
Considerando os estudos apresentados, a precaução deve ser a palavra de ordem quando o assunto é o bem das crianças.
TALITA BORGES CASTELÃO é psicóloga clínica, sexóloga e doutora em Ciências
Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.