A relação entre o fogo e as ações salvíficas da Trindade
Wellington Barbosa
Teofania é o termo usado para se referir às manifestações divinas visíveis ao longo da história bíblica. Com maior ocorrência no Antigo Testamento, elas demonstravam o poder, a soberania e a presença do Senhor, especialmente no contexto da aliança de salvação. Entre as principais teofanias, encontram-se o Anjo do Senhor (Gn 16:7; 22:11, 12; Êx 3:2-6; Nm 22:22; Jz 13); a shekinah, a glória divina (Êx 24:16-18; 40:34, 35; 2Cr 5:13, 14); e a coluna de nuvem e de fogo que acompanhava Israel no deserto (Êx 13:21, 22; Nm 14:14).
Aliás, o fogo parece ser o elemento teofânico mais representativo das Escrituras. Por exemplo, em Gênesis 15, primeira manifestação visível de Deus descrita na Bíblia, o Senhor apareceu a Abrão como “um fogareiro fumegante e uma tocha de fogo” (v. 17). Em outra cena impressionante, o Anjo do Senhor “apareceu numa chama de fogo, no meio de uma sarça” (Êx 3:2), para chamar o hesitante Moisés, a fim de que se tornasse o libertador do povo escolhido. No monte Sinai, ao estabelecer a aliança com Israel, “o aspecto da glória do Senhor era como um fogo consumidor” (Êx 24:17), em mais uma referência a esse elemento que fascina as pessoas desde os primórdios da humanidade.
É significativo pensar na relação entre Deus e o fogo porque, de fato, no relato bíblico, as três Pessoas da Divindade são declaradamente identificadas com ele. O Pai é chamado de “fogo consumidor” (Dt 4:24; Hb 12:29), e Seu trono é constituído de chamas (Dn 7:9). Ao encorajar o povo de Israel a atravessar o Jordão, Moisés reafirmou que “o Senhor […] é fogo que consome” e garante a vitória sobre os inimigos (Dt 9:3).
O PAI É FOGO QUE ILUMINA E PROTEGE; O FILHO, FOGO QUE SALVA E AQUECE; E O ESPÍRITO, FOGO QUE GUIA E PURIFICA SEUS FILHOS
Por sua vez, “as teofanias em forma humana do Antigo Testamento […] são mais bem explicadas como manifestações pré-encarnadas da segunda Pessoa da Trindade” (“Theophany”, Baker Encyclopedia of the Bible [Baker, 1988], p. 2052). Dessa maneira, é possível afirmar que o Anjo do Senhor, que Se manifestou na sarça ardente e acompanhou diferentes momentos da jornada de libertação do povo de Israel do Egito, era o próprio Cristo (Ellen White, A Verdade Sobre os Anjos [CPB, 2022], p. 62). No Apocalipse, João descreveu Jesus como Aquele que tem “olhos como chama de fogo” (Ap 1:14; 2:18), em referência à Sua capacidade de perscrutar todas as coisas com clareza e discernimento (Ranko Stefanovic, Revelação de Jesus Cristo [CPB, 2023], p. 114).
Finalmente, o Espírito Santo, em uma de Suas teofanias mais conhecidas, demonstrou Seu poder e Sua presença ao Se revelar visivelmente com línguas de fogo sobre os apóstolos no dia de Pentecostes
(At 2:1-4). David Peterson associou essa manifestação às experiências de Israel no Sinai, indicando a disposição do Espírito em Se comunicar com a igreja e guiá-la em unidade, rumo ao cumprimento de sua missão (The Acts of the Apostles [Eerdmans, 2009], p. 133). Isso torna a orientação de Paulo em 1 Tessalonicenses 5:19 ainda mais impactante: “Não apaguem o Espírito”, ou seja, não ignorem Suas orientações e Sua liderança.
Gosto de pensar nessa ideia do fogo como um elemento identificador das três Pessoas da Divindade. Alguns poderiam limitar a compreensão do símbolo apenas a seu papel de julgamento e condenação (Ml 4:1; Jd 7; Ap 20:7-10), mas uma perspectiva mais ampla demonstra que podemos ir muito além disso. Pai, Filho e Espírito Santo, em Sua dinâmica funcional, fazem com que o fogo seja revestido de significados muito mais profundos. O Pai é fogo que ilumina e protege; o Filho, fogo que salva e aquece; e o Espírito, fogo que guia e purifica Seus filhos. Permita-se ser envolvido por aquilo que cada um Deles deseja realizar em sua vida.
WELLINGTON BARBOSA é editor da Revista Adventista
(Editorial da edição de abril/2024)
Última atualização em 9 de abril de 2024 por Márcio Tonetti.