A responsabilidade de perceber e resgatar vidas à beira do fim
Wellington Barbosa

Cresci em um bairro em formação, numa cidade do interior de São Paulo, onde os vizinhos costumavam se reunir para confraternizar. Na época da Copa do Mundo, pintávamos a bandeira do Brasil no asfalto; em julho, pendurávamos enfeites entre os postes; e no dia 31 de dezembro, íamos à rua para cumprimentar os amigos e celebrar a chegada do novo ano.
Contudo, no início da década de 1990, um acontecimento abalou esse costume. Na noite de AnoNovo, uma de nossas vizinhas estava visivelmente feliz, cumprimentando a todos com votos de paz e prosperidade e afirmando que o ano que se iniciava seria especial. Menos de 12 horas depois, aquela jovem senhora, mãe de dois filhos e divorciada, tirou a própria vida na repartição pública em que trabalhava. No dia 2 de janeiro, a vizinhança voltou a se reunir, mas, desta vez, em um cemitério, para prestar solidariedade à família enlutada.
Durante dias, algumas perguntas pairaram no ar: Por que ela fez aquilo? Como ninguém percebeu que algo não estava bem? Que tipo de ajuda poderia ter sido oferecida para que a história fosse diferente? De certa forma, todos carregavam algum sentimento de culpa por aquela tragédia, a única registrada naquela rua, onde os vizinhos convivem há quase 40 anos.
A igreja deve ser reconhecida como um lugar seguro para aqueles que enfrentam a ideação suicida
O suicídio é um tema complexo e de impacto crescente na sociedade. Estimativas globais da ONU indicam que, a cada ano, mais de 720 mil pessoas tirem a própria vida. No Brasil, um estudo que analisou o período de 2013 a 2023, registrou 144.566 mortes por suicídio, com predominância entre homens (79%), adultos de 20 a 49 anos (59%), escolaridade média de 8 a 11 anos e maioria solteira (62%). As taxas de mortalidade apresentaram tendência de aumento em quase todo o país, com destaque para o crescimento significativo entre homens de 20 a 29 anos e mulheres de 15 a 19 anos. Estima-se que, até 2028, a taxa nacional alcance 8,95 por 100 mil habitantes (link.cpb.com.br/d6df41).
Não há estatísticas recentes com recortes por segmento religioso, mas a percepção é de que, infelizmente, a incidência de suicídios entre cristãos praticantes também tem aumentado. Isso deve nos levar a refletir sobre a responsabilidade que temos de tratar esse tema de maneira sensível e adequada.
Em primeiro lugar, é fundamental compreender o fenômeno e nos desvencilharmos dos mitos e preconceitos que cercam os transtornos emocionais e mentais. Uma visão reducionista dessa condição multifacetada contribui para que pessoas imersas em pensamentos suicidas não recebam o acompanhamento necessário daqueles que estão ao seu redor. Além disso, é essencial desenvolver estratégias de conscientização, capacitação e acolhimento, para que o ambiente da igreja seja reconhecido como um lugar seguro para quem sofre e enfrenta a ideação suicida.
Também não se pode esquecer de que a mensagem adventista enfatiza a saúde integral. A promoção de um estilo de vida saudável, em todas as suas dimensões, não deve se limitar a eventos pontuais. O equilíbrio entre os aspectos físico, mental, social e espiritual favorece o bem-estar e ajuda no enfrentamento de crises emocionais profundas.
Por fim, a igreja deve ser uma comunidade de esperança, onde aqueles que se encontram sob a sombra do suicídio sejam iluminados por Aquele que transforma e dá sentido à vida. Se os “terrores da noite” (Sl 91:5) vierem, o Sol da Justiça Se levantará, trazendo cura e paz (Ml 4:2). Somos embaixadores dessa mensagem e não podemos nos eximir de nossa responsabilidade.
WELLINGTON BARBOSA é editor da Revista Adventista
(Editorial da edição de setembro/2025)
Última atualização em 1 de setembro de 2025 por Márcio Tonetti.