Perfeitos como Deus

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O texto de Mateus 5:48 tem sido usado para defender a ideia de vitória absoluta sobre o pecado nesta vida. Foi isso que Jesus quis dizer?
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A afirmação “sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (ARA) foi feita por Jesus durante o Sermão do Monte (Mt 5:3–7:27), na parte em que Cristo falou da lei e seu cumprimento, ao comparar os ensinos dele aos dos rabinos ou escribas, que eram os mestres da religião judaica da época (Mt 5:17-48).

Jesus iniciou dizendo que Ele não tinha vindo para revogar “a Lei e os Profetas” (v. 17), expressão que se refere ao Antigo Testamento como um todo, mas para cumpri-los. Na verdade, disse Ele, enquanto o Céu e a Terra durassem, nada seria regovado da lei (v. 18). Aquele, portanto, que violasse qualquer dos mandamentos de Deus e assim o ensinasse aos homens não entraria no reino dos céus (v. 19).

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É isso o que significa a expressão “será considerado mínimo no reino dos céus”, um idiomatismo hebraico.

Ora, quem eram os responsáveis pelo ensino da lei em Israel? Os rabinos, os quais, embora parecessem bastante rígidos, na verdade, adotavam muitas interpretações relativistas que acabavam por rebaixar as normas de Deus em vez de exaltá-las.

Jesus, é claro, não seguia essa tradição. Ele não havia sido educado nas escolas rabínicas (Jo 7:15). Por isso, Ele era constantemente acusado de transgressão da lei (Mt 15:2; Mc 7:5; Jo 5:16; 9:16; 24, 31). De volta ao Sermão do Monte, depois de fazer uma referência indireta aos rabinos, Jesus desafiou seus ouvintes: “Se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus” (v. 20).

Dito isso, Jesus passou a citar seis exemplos práticos que ilustravam o que Ele havia acabado de dizer (v. 21-48), ou seja, exemplos de como os rabinos diminuíam a importância da lei com suas interpretações. Os exemplos têm que ver com homicídio (v. 21-26), adultério (v. 27-30), divórcio (v. 31-32), juramento (v. 33-37), vingança (v. 38-42) e amor (v. 43-48). Só para ilustrar, tomemos o terceiro exemplo, referente ao divórcio. Enquanto o divórcio era uma concessão divina por causa do pecado e unicamente autorizado em caso de relações sexuais ilícitas (Dt 24:1-4; Mt 19:7-9), os rabinos ensinavam que os homens podiam se separar da esposa pelos motivos mais banais, desde que dessem a ela o certificado de divórcio.

Por sua vez, o verso em questão aparece no contexto do sexto exemplo, referente ao amor. Ao passo que a lei apregoa o amor ao próximo como a si mesmo (Lv 19:18), os rabinos omitiam o “como a si mesmo” e, com relação aos inimigos, ensinavam o ódio (Mt 5:43). Mas em nenhum lugar do Antigo Testamento se faz apologia ao ódio contra os inimigos. Ao contrário, os israelitas foram instruídos a não nutrir sentimento de vingança contra os inimigos (Lv 19:17-18) e a tratar os estrangeiros com benevolência e respeito (v. 33-34; cf. Dt 10:19). Os rabinos, portanto, torciam o verdadeiro significado da lei. Jesus, por outro lado, ensinava: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5:44). Então Jesus apresentou três razões para amar os inimigos: isso faz de nós filhos de Deus (v. 45a); o amor de Deus é irrestrito (v. 45b); e não há grande virtude em amar somente quem nos ama (v. 46-47). Por fim, Ele concluiu: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (v. 48).

Por isso, longe de tratar de perfeição moral ou impecabilidade cristã, a declaração de Jesus tem que ver unicamente com o exercício do amor. Ser perfeito como Deus significa amar como Ele ama. E como Deus ama? Irrestritamente. Deus não tem favoritos. Ele ama igualmente os maus e os bons (v. 45). Por mais que amar quem nos odeia ou persegue seja contrário à nossa natureza, essa é a norma divina. Esse ideal pode ser alcançado quando nos abrimos à atuação do Espírito (Rm 5:5).

WILSON PAROSCHI, doutor em Teologia, com especialização em Novo Testamento, é professor no Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP)

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(Texto publicado originalmente na edição de junho da Revista Adventista)

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.