Espiritualidade bíblica

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Autor de tese doutoral sobre o tema explica como desenvolver uma experiência religiosa sólida

Márcio Tonetti

Foto: Arquivo pessoal

O termo espiritualidade tem se distanciado cada vez mais da religião, ganhando novos significados e um caráter místico. Mas qual é o conceito bíblico de espiritualidade? Quem responde é o pastor Manoel Pereira de Andrade, que em novembro defendeu uma tese sobre o assunto no doutorado em Teologia do Unasp, campus Engenheiro Coelho.

Existe diferença entre o conceito adventista de espiritualidade e o de outras tradições cristãs?

Sim. A convicção bíblica de que Deus vive, age e Se relaciona com Suas criaturas em uma sequência temporal molda a nossa visão de espiritualidade. Os adventistas também entendem que a natureza humana é indivisível e integral. Para que o ser humano se mantenha ligado a Deus, é necessário cultivar o hábito diário do estudo da Bíblia, a prática constante da oração, a atividade missionária regular e a frequência à igreja. Por sua vez, a visão popular de espiritualidade considera que a natureza humana consiste em um corpo material (temporal e mortal) e uma alma espiritual (atemporal e imaterial). A maioria das tradições cristãs aplica a espiritualidade à relação ou ao contato que as almas têm com o mundo sobrenatural.

O conceito moderno de espiritualidade tem se distanciado da religião?

O conceito de espiritualidade era usado no passado exclusivamente no contexto religioso. No entanto, nos últimos anos, tem sido empregado de maneira ampla por todo tipo de pessoas, com variados significados. Harold Koenig, renomado pesquisador e psiquiatra norte-americano, aponta que a nova versão de espiritualidade passou a incluir aspectos da vida que não têm nada que ver com religião, além de, muitas vezes, excluir a religião por completo, como na afirmativa “sou espiritual, não religioso”. Isso pode tornar a espiritualidade indistinguível de conceitos seculares.

Na experiência religiosa, algumas pessoas preferem o “sentir” ao “conhecer”. As emoções fazem parte da espiritualidade?

Os evangélicos tradicionais salientam que o centro da espiritualidade está na relação cognitiva com Deus. O conhecimento que se pode adquirir sobre Deus constitui a base desse modelo, cuja ênfase está na educação bíblico-teológica. No entanto, essa espiritualidade, nascida da razão, corre o risco de se tornar mais teológica e menos afetiva, mais dogmática e menos pessoal, na medida em que se centraliza no dogma e não na pessoa. Deus é transformado em uma ideia ou conceito abstrato com o qual me relaciono racionalmente. O surgimento do pentecostalismo no início do século 20 foi uma reação ao excesso de racionalismo e intelectualismo, muitas vezes frios e impessoais, presentes na maioria das igrejas históricas. O “sentir” tornou-se o centro da espiritualidade, produzido por meio de uma experiência carismática proporcionada pela ação do Espírito Santo. Acredito que o equilíbrio entre o “conhecer” e o “sentir” seja um aspecto fundamental para uma espiritualidade bíblica sólida.

Como desenvolver essa prática na vida diária?

Em minha pesquisa, uso as palavras “andar” (heb. hãlakh) com Deus e nos “caminhos” (heb. derekh) de Deus como ponto de partida para o desenvolvimento de uma espiritualidade sólida. A Bíblia revela que a prática de andar com Deus e no caminho da obediência, guardando Suas leis e Seus estatutos (Êx 16:4; Lv 18:4-5; Dt 8:19, 20; Gl 3:12), gera pessoas consagradas, obedientes, leais, cheias de fé e ativas no serviço do Senhor (Gn 5:22-24; 6:9; 17:1; 1Sm 8:3, 5; Sl 1:1, 2; 86:11). Uma espiritualidade sólida se desenvolve quando o cristão assume o compromisso de andar diariamente com Deus, conforme exemplificaram Jesus Cristo (At 10:38) e os primeiros cristãos (At 2:42-47). Isso envolve também o compromisso com a igreja (Hb 10:25; 1Tm 3:15) e com as doutrinas bíblicas (Ef 4:14; 1Tm 4:16).

(Entrevista publicada na Revista Adventista de fevereiro/2024)

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Última atualização em 2 de fevereiro de 2024 por Márcio Tonetti.