Justificação pelas obras

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Fiquei surpreso ao ler o Salmo 18:20: “O Senhor me retribuiu segundo a minha justiça; recompensou-me conforme a pureza das minhas mãos.” Isso não é justificação pelas obras?

Ángel Manuel Rodríguez

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Realmente soa como justificação pelas obras, mas não é. Antes de analisar o texto citado, consideremos primeiro como o salmista compreendia a condição humana perante Deus e qual o significado da sua justiça nos Salmos.

A condição humana

Quando a questão é a bondade natural dos seres humanos, os salmos deixam muito claro: “Não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Sl 14:3; cf. Rm 3:12). A pecaminosidade é uma característica da condição humana (Sl 32:1), a ponto de as pessoas cometerem pecados dos quais nem sequer têm conhecimento (Sl 19:12). Nossa pecaminosidade é um componente congênito ou inerente à natureza humana caída: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu a minha mãe” (Sl 51:5). No que diz respeito a ser reto diante de Deus, o salmista declarou: “Não há justo nenhum vivente” (Sl 143:2). Diante do Senhor todos nós estamos condenados por nossa falta de justiça.

A justiça de Deus

A solução para nossa falta de justiça é a justiça de Deus. Na vida de Israel, a justiça divina era manifestada de maneiras diversas, mas, para o propósito desta explicação, a mais importante era o perdão dos pecados. Para que os seres humanos pudessem se apresentar diante de Deus sem medo, era preciso lidar com o pecado (Sl 130:3, 4). Essa é uma obra exclusiva de Deus. Davi pediu perdão pelos seus pecados ao Senhor e prometeu que sua “língua [exaltaria a Sua] justiça”, ou seja, a graça perdoadora e justificadora de Deus (Sl 51:14; cf. v. 1-7). O Senhor “faz justiça” e, consequentemente, “não nos trata segundo os nossos pecados” (Sl 103:6, 10). Aqueles cujos pecados foram perdoados são chamados de “justos” (Sl 32:1, 2, 11). Assim, a justiça é um presente de Deus para nós. Até os que eram obedientes iam ao templo procurando receber “do Senhor a bênção e a justiça” (Sl 24:5; cf. v. 3, 4), isto é, a declaração divina de justiça. Isaías esclareceu que Jesus declararia muitos como sendo justos e levaria a iniquidade deles (Is 53:11). Deus pode imputar justiça a nós porque nosso pecado foi colocado sobre o Servo do Senhor (Cristo) em vez de sobre nós.

A justiça dos fiéis

Com base no que apresentamos no texto acima, o salmista não está expressando justificação por meio das obras humanas. O contexto esclarece que quando ele disse “minha justiça” estava afirmando sua fidelidade à aliança ou ao que ele chamou de graça santificadora. Davi declarou sua inocência afirmando que guardou “os caminhos do Senhor”, mas não de uma forma legalista porque, conforme ele acrescentou, foi o Senhor quem “aperfeiçoou o meu caminho” (Sl 18:21, 32). Sua vida de justiça era o resultado da obra de Deus nele e estava enraizada em Sua misericórdia, não na justiça própria (v. 50). O salmista mencionou sua vida justa e dependente de Deus com humildade, não como uma expressão de orgulho, pois sabia que o Senhor salva “o povo humilde, mas os olhos soberbos […] os abate” (v. 27). Cristo também espera que vivamos uma vida justa (Mt 5:20), e João declarou categoricamente: “Aquele que pratica a justiça é justo, assim como Ele [Jesus] é justo” (1Jo 3:7). A justificação pela fé leva a uma vida justa diante de Deus e dos outros (cf. Mc 6:20).

ÁNGEL MANUEL RODRÍGUEZ, pastor, professor e teólogo aposentado, foi diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica

(Artigo publicado na seção Boa pergunta da edição de julho/2023 da Revista Adventista / Adventist World)

Última atualização em 19 de julho de 2023 por Márcio Tonetti.