A grande pergunta

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Nossa compreensão a respeito da morte afeta a maneira como encaramos a vida

Marcos Blanco

Foto: Silviu Zidaru

Leon Tolstói atravessou uma crise existencial aos 50 anos de idade que o deixou à beira do suicídio. O autor russo aproveitou esse momento dramático para escrever uma de suas obras mais marcantes: Uma Confissão (1882). Em seu livro, ele detalhou os medos, as dúvidas e esperanças de sua alma, ao mesmo tempo em que expôs os motivos pelos quais mergulhou em uma crise de fé que quase pôs fim à sua vida.

Durante essa experiência, Tolstói refletiu acerca da “grande pergunta”. “Minha pergunta”, disse ele, “aquela que, aos cinquenta anos de idade, me levou à beira do suicídio, era a mais simples que se abriga na alma de todos os homens […] uma pergunta para a qual não se pode viver sem uma resposta. Era a seguinte: ‘O que vai acontecer com o que estou fazendo hoje ou amanhã? O que acontecerá com toda a minha vida? Por que eu devo viver, por que desejar ou fazer algo? Isso também pode ser expresso assim: Existe algum propósito em minha vida que não seja destruído pela morte inevitável que me aguarda’”?
(A Confession [Dover, 2005], p. 21).

Além da angústia existencial decorrente da ausência total de significado, essa citação refere-se à morte, o inimigo da humanidade que não apenas limita o tempo de sua existência, mas também suscita uma série de questões. Considerando a perplexidade que a morte provoca em todos aqueles que a contemplam, estou interessado na relação que Tolstói estabelece entre a morte e nossa maneira de viver: “Existe algum significado em minha vida que não seja destruído pela morte inevitável que me aguarda?”

De fato, a ideia que temos sobre o estado dos mortos está intimamente relacionada com quem somos agora. Essa concepção transcende a simples questão de determinar se as pessoas que faleceram estão atualmente no Céu, no inferno ou se permanecem inconscientes até o retorno de Jesus.

Portanto, vamos abordar inicialmente o conceito de morte e, em seguida, analisar como nosso entendimento sobre ela pode alterar a perspectiva de nossa vida hoje.

PLANO ORIGINAL

Ao tentar compreender o conceito de morte, o ponto de partida para os cristãos é o registro bíblico da criação da vida, uma vez que consideramos a morte condição inversa à vida. A referência à criação do homem em Gênesis nos ajuda a entender como o ser humano foi formado: pó da terra + fôlego de vida = ser vivente (Gn 2:7; Jó 33:4). O registro bíblico também revela que havia um plano original para nossa existência.

No projeto original, está incluída a possibilidade de termos uma existência eterna, em contraposição à imortalidade da alma. Para o Senhor, o ser humano não é um acidente. Não estamos destinados a nascer, sofrer e depois desaparecer para sempre. Outro ponto importante é que nosso corpo material foi concebido como um componente inseparável de nossa existência. É evidente que, de acordo com as Escrituras, cada ser humano é uma unidade indivisível. Corpo, alma e espírito funcionam em estreita cooperação, revelando uma relação de intensa interdependência entre as faculdades espirituais, mentais e físicas de uma pessoa (Lc 1:46, 47; Mt 10:28; 1Co 7:34; 1Ts 5:23).

Ao conceber o ser humano como um todo indivisível, compreendemos que a morte não separa o corpo da alma. Em vez disso, a morte representa o fim definitivo de toda a vida. Nenhuma função vital sobrevive após a morte.

DECADÊNCIA E ETERNIDADE

O registro bíblico claramente demonstra que nossa anatomia está adaptada a esse projeto original: “homem e mulher os criou” (Gn 1:27). Nesse contexto, o corpo e sua anatomia são tão significativos quanto a “vida interior” (mente e espírito), não apenas para preservar a condição presente, mas também para transcender em direção à vida eterna, que é um dom imerecido da graça de Deus.

Por outro lado, a sociedade contemporânea enxerga o corpo como um elemento maleável e adaptável que pode ser modificado para influenciar nossa vida interior. Percebemos que estamos envelhecendo? Não há problema! Nada que alguns produtos cosméticos ou cirurgias plásticas não possam corrigir. Não está satisfeito com seu sexo? Uma cirurgia de “mudança de sexo” ou tratamento hormonal pode resolver isso. No entanto, assim como algumas intervenções cirúrgicas não conseguem deter o processo de envelhecimento ou nos tornar imortais, mutilar o corpo também não alterará o projeto original de nossa sexualidade, algo que está inscrito em nosso DNA.

Assim, a Bíblia afirma que uma compreensão adequada da morte (a realidade futura que espera por todos nós) nos leva a apreciar a vida. Essa valorização abrange não apenas fazer as pazes com o corpo que Deus nos concedeu como parte de Seu projeto original, mas também respeitar esse projeto, cuidando dele e fortalecendo-o, como uma forma de proteger e promover nosso bem-estar integral.

É evidente que, devido a vivermos em um mundo marcado pelo pecado, enfrentamos sofrimento em nosso corpo, alma e espírito. No entanto, em breve, Deus eliminará a morte (1Co 15:26; Ap 20:14; 21:8). Na segunda vinda de Cristo, todos aqueles que vivem em conformidade com essa esperança e em comunhão com Jesus terão o corpo transformado, restaurado à perfeição do projeto original.

Então, nossa existência eterna não será mais prejudicada pela dor, doença e morte. Enquanto aguardamos esse momento glorioso, podemos desfrutar da vida, da realização e de bem-estar abundante, respeitando o projeto original e cuidando dele.

MARCOS BLANCO é editor-chefe da editora Aces, na Argentina

(Artigo publicado na edição de outubro de 2023 da Revista Adventista / Adventist World)

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Última atualização em 1 de novembro de 2023 por Márcio Tonetti.