O mistério da intercessão

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Uma teologia da oração para nossa luta com Deus em busca de ajuda e respostas

Marcos De Benedicto

Foto: Adobe Stock

Há poucos dias, um pastor de Campo Grande (MS) me enviou uma mensagem dizendo que tirou o dia para interceder por todos os contatos em seu WhatsApp e eu estava na lista. Emocionada, uma amável irmã de Taquaritingua (SP) compartilhou uma experiência de oração intensa em favor do neto, estudante de Teologia, que liderou uma equipe de colportores do Projeto Sonhando Alto. O resultado não foi o esperado. Mas o que inicialmente arrancou lágrimas de tristeza da piedosa avó por uma oração aparentemente não respondida se transformou em choro de alegria pela notícia de que ele havia recebido uma bolsa de estudos do governo. “Deus não respondeu do meu jeito, mas do jeito Dele, e a bênção foi muito maior do que eu esperava”, disse no áudio. Depois, um pastor me enviou o programa de uma vigília da madrugada como parte do Culto da Mata do Unasp, intitulada “Um Clamor pela Nação”. Simultaneamente, a sede sul-americana marcou um clamor pela restauração, com um programa de 10 horas de oração e jejum no dia 1º de maio.

Se olharmos para o passado, as orações se multiplicam. A Bíblia tem mais orações do que parece, mesmo numa parte um pouco árida como Crônicas. Nesse livro em dois volumes há 21 relatos de pessoas orando, especialmente reis. Dessas 21 menções, 16 ocorrências (76%) se referem a Davi, Salomão, Josafá e Ezequias, o que confere dimensões pessoais e coletivas ao ato de orar. A primeira oração do livro é a de Jabez, uma ilha narrativa no meio do deserto da genealogia (1Cr 4:9, 10). Jabez “invocou o Deus de Israel”, intercedeu por seu próprio futuro e Deus reverteu seu destino (v. 10). Por sinal, essa é a primeira vez em que o nome de Deus aparece no livro. Mais versado na Torah do que seus irmãos, Jabez buscou o Senhor. A noção de “invocar” a Deus dá o tom da narrativa e reaparece em momentos críticos.

Que efeito essas orações pessoais e coletivas podem ter sobre as pessoas por quem intercedemos, a igreja e o mundo? Nesses milhares de anos de história, quantas orações subiram ao Céu? Quantas chegaram ao trono? Quantas ficaram no meio do caminho? Quantas foram atendidas? No caso das suas orações pessoais, houve respostas? Pode uma oração (ou muitas) parar uma pandemia? Que lugar ou importância a intercessão tem em suas atividades religiosas? Antes de lidar com essas questões, é importante definir o que é oração.

A DEFINIÇÃO

A primeira ideia que vem à mente costuma ser a de que a oração é um diálogo entre duas pessoas que se amam ou pelo menos têm afinidade e afetividade. “A oração é o abrir do coração a Deus como a um amigo”, ensina a clássica e bela definição de Ellen White (Caminho a Cristo, p. 93). Mas há instâncias em que a nossa condição de fragilidade e desespero acentua a diferença entre nós e Deus, levando-nos a clamar por socorro e misericórdia. Nesses casos, mais do que abrir o coração, a oração se torna uma expressão de angústia, talvez não uma súplica articulada em palavras formais, mas um clamor intenso.

Conforme definiu Gary Millar em um livro em que busca entender a oração ao longo da Bíblia, orar é “clamar para que Deus cumpra Sua promessa” (Calling on the Name of the Lord [InterVarsity, 2016], p. 27). O título do livro é uma referência à atitude notada a partir do nascimento de Enos, neto de Adão e Eva: “Foi nesse tempo que se começou a invocar o nome do Senhor” (Gn 4:26b). Para Bill Gothard, o testemunho bíblico revela que Deus ouve nossos clamores, especialmente quando os “pedidos são proferidos em voz alta”, e ressalta que esse era um padrão recorrente nas orações dos personagens bíblicos (The Power of Crying Out [Multinomah, 2002], p. 19). Invocar o nome significa apelar para a natureza, o caráter, a honra, o poder, a vontade e as promessas de Deus. É reconhecer que Ele é o Absoluto e tem direito sobre nossa vida.

Com base em vários versos bíblicos, podemos dizer que a ideia da oração como clamor tem fundamento. Por exemplo, Deus ouviu o “clamor” (za‘aq, um grito de profunda angústia) dos israelitas junto ao Mar Vermelho e os libertou (Ne 9:9). Moisés “clamou” (tsa‘aq, gritar por ajuda) ao Senhor, e Ele tornou a água amarga em água doce (Êx 15:25). Jabez “invocou” (qara’, clamar com voz alta) o Deus de Israel, pedindo uma bênção quádrupla, e foi atendido (1Cr 4:10). Num contexto de guerra, os homens de Judá “clamaram” (tsa‘aq, gritar por socorro) ao Senhor, e Ele derrotou os inimigos (2Cr 13:14, 15). Elias “clamou” (qara’) ao Senhor pelo menino, e Deus o ressuscitou (1Rs 17:20-22). “Na minha angústia, invoquei [qara’] o Senhor; gritei [shawa‘] por socorro ao meu Deus”, diz o salmista. “Do Seu templo Ele ouviu a minha voz, e o meu clamor [shaw‘ah] chegou aos Seus ouvidos” (Sl 18:6).

O próprio Deus prometeu: “Invoque-Me [qara’] no dia da angústia; Eu o livrarei” (Sl 50:15). Ele ouve o “clamor” (shaw‘ah, um pedido de ajuda) dos justos e os socorre (Sl 145:19). “Chame [qara’] por Mim e Eu responderei”, Deus garantiu (Jr 33:3). Aterrorizado diante da força do vento no mar agitado, Pedro “gritou” (krazo, clamar, gritar) por socorro, e Jesus o segurou (Mt 14:30, 31). O cego “gritou” (boao, falar com voz alta, implorar) pedindo para ver de novo, e Jesus o curou (Lc 18:38-42). Esses são alguns exemplos de clamor ao Senhor, mas há outros aspectos envolvidos na oração.

INVOCAR O NOME SIGNIFICA APELAR PARA A NATUREZA, O CARÁTER, A HONRA, O PODER, A VONTADE E AS PROMESSAS DE DEUS

Uma das ideias mais evocativas sobre a oração nos escritos de Ellen White é que ela é a “respiração da alma” (Mensagens aos Jovens, p. 249). Assim como não se vive sem ar, ninguém pode sobreviver espiritualmente sem orar. O simples ato de respirar nunca foi tão valorizado como agora. Balões de oxigênio são buscados com sofreguidão. O insumo raro tornou-se decisivo. Mas, em certo sentido, o oxigênio da alma é ainda mais essencial, embora pareça insensível dizer isso neste momento. A tendência do ser humano é se distanciar de Deus e tentar viver por si, mas isso é impossível. A oração é o balão de oxigênio para a pessoa ou igreja que precisa ser entubada.

Orar não é apenas fazer um registro emocional, mas sair de um estado inferior para ganhar uma perspectiva superior. É buscar mudar a realidade, reinterpretar a realidade e ser transformado dentro da realidade pelo poder de Deus. É sair do nível das ideias e limitações humanas e entrar no universo dos pensamentos e das possibilidades divinas. A oração não muda somente nossa perspectiva, mas nosso interior. Ela altera nossa própria subjetividade, tornando Deus/Cristo o Sujeito da vida, como ocorreu com Paulo (Gl 2:20). A oração cria um elo de afeição, uma intimidade essencial, uma certeza interior, um testemunho do Espírito, uma âncora de fé. Orar não é performance, embora as orações bíblicas sejam belas, mas conexão vital com Deus. É bom saber que “nuvens de misericórdia” “prontas a gotejar” pairam sobre nós, conforme diz Ellen White (Filhos e Filhas de Deus, p. 340).

O OBJETIVO

Na linguagem da sociologia, o objetivo da oração é influenciar Deus e, de algum modo, obter resultado. Em seu capítulo no livro A Sociology of Prayer (Ashgate, 2015, p. 11), Carlo Genova comenta: “A oração envolve o uso de palavras que têm um objetivo e um efeito esperado. É um ‘instrumento de ação’ que funciona por meio da expressão de ideias e sentimentos. Portanto, a oração incorpora ação e pensamento. Ela une ritual, culto e crença, e abrange significado e eficácia.” Assim, quem ora está em uma posição de desvantagem e precisa de ajuda.

Vale mencionar que a expressão “instrumento de ação” é tirada do antropólogo e sociólogo francês Marcel Mauss, no livro On Prayer (Berghahn, 2003, p. 22), para quem a oração “é sempre, basicamente, um instrumento de ação”. Esse intelectual ficou conhecido pela teoria da dádiva (a tríplice obrigação coletiva de dar, receber e retribuir). Nessa teoria, dar é sempre maior do que retribuir, o que caracteriza uma assimetria, diferentemente da lógica binária comprar-pagar do mercado. A dádiva seria o oposto da troca mercantil. Dar seria uma forma de garantir a paz e ganhar prestígio. Podemos dizer que a dádiva de Deus é sempre maior do que a nossa gratidão. Na verdade, a única “retribuição” que podemos oferecer é a vida. Porém, ao contrário do que observou Mauss no âmbito social, Deus presenteia porque é amor. Ele já tem Sua glória, que é dar, e não precisa conquistar prestígio.

“Olhando para Jesus, vemos que a glória de nosso Deus é dar”, atesta Ellen White (O Desejado de Todas as Nações, p. 21). Depois de descrever a magnificência da natureza e afirmar que tudo existe para revelar o amor de Deus ao receber para dar, e acrescentar que “os anjos da glória acham seu prazer em dar”, a autora passa das representações secundárias para o essencial e conclui: “através do amado Filho, flui para todos a vida do Pai; por meio do Filho ela volve em louvor e jubiloso serviço, uma onda de amor, à grande Fonte de tudo. E assim, através de Cristo, completa-se o circuito da beneficência, representando o caráter do grande Doador, a lei da vida”.

Se Deus já sabe o que precisamos e gosta de dar, por que precisamos orar? Para ficar mais perto Dele; fortalecer nossa afeição pelo Pai celestial; convidá-Lo a fazer parte da nossa vida e controlar nosso destino; ganhar perspectiva e evidenciar nossas prioridades, necessidades e desejos; acessar bênçãos nos depósitos do Céu; perceber a mente de Deus e descobrir a vontade divina; tomar a posição certa no grande conflito; permitir que Deus mude a realidade e altere o rumo das coisas; ganhar força espiritual e vencer o inimigo; trazer glória ao nome de Deus.

Portanto, como se vê, o objetivo da oração não é apenas receber, mas também manter relacionamento com Deus. Por sentimentos, interesses, atitudes, ações, a oração nos conecta com Deus e com os outros. “Por meio da oração sincera, somos ligados com a mente do Infinito”, diz Ellen White numa frase surpreendente (Caminho a Cristo, p. 97).

A INTERCESSÃO

Há vários tipos de oração, de acordo com sua natureza e seu objetivo: ação de graças, confissão, comunicação, expressão de fé, louvor, relacionamento, súplica, intercessão… Todas essas variedades são válidas. Diferentes autores apresentam ênfases diversas. Mesmo entre os evangelhos há variações. Por exemplo, Mateus destaca a centralidade de Deus e a resposta apropriada; Marcos, o arrependimento e a fé; Lucas, a aliança e a salvação; João, a unidade e a glória (ver Mathias Nygaard, Prayer in the Gospels [Brill, 2012], p. 218). Porém, na Bíblia, uma das formas de oração mais destacadas é a intercessão, ou seja, aquela em que se expressa um pedido em favor de outra pessoa ou de uma circunstância.

Entre os muitos casos de intercessão na Bíblia, alguns se destacam: Abraão negociando com Deus em favor dos justos de Sodoma (Gn 18:20-33); Moisés, o intercessor paradigmático, clamando com sucesso pelo povo (Êx 32:11-14); Jó intercedendo pelos amigos e Deus revertendo a sorte do próprio patriarca (Jó 42:10-17); o pedido antecipado de Salomão por perdão pelo eventual pecado do povo quando este, arrependido, voltasse o olhar para o templo, e a resposta de Deus prometendo ouvir e sarar a terra se o povo orasse e se humilhasse (1Rs 8; 2Cr 6; 7:14); a súplica de Daniel para Deus reverter a condição de Jerusalém, do templo e do povo (Dn 9); a oração penitencial de Neemias e do povo, num clamor por restauração, incluindo um documento que literalmente recebeu o selo dos príncipes e sacerdotes (Ne 9). E temos as instâncias no Novo Testamento. Por exemplo, intercessão é o tipo de oração mais comum nos escritos de Paulo, aparecendo mais do que doxologia, louvor, adoração, bênção, petição e ação de graças, entre outros (Gordon Wiles, Paul’s Intercessory Prayers [Cambridge University Press, 1974], p. 11). Isso sem falar em Jesus, o grande Intercessor no Céu (1Tm 2:5; 1Jo 2:1), e o Espírito Santo, o Intercessor na Terra (Rm 8:26).

Interceder é levar outros até a presença de Deus, e intercessor é aquele que faz a mediação entre duas partes. Se o profeta sempre intercede, o sacerdote é o intercessor por definição. Esse conceito está ligado intimamente a Jesus, o único Mediador entre nós e Deus. Por sinal, o conceito de mediação era muito importante no mundo antigo, sendo a presença física o meio “ideal” e até “normativo” para a intercessão, conforme pontua Sean Gilsdorf em The Favor of Friends (Brill, 2014, p. 2, 7).

No caso de Cristo, Ele está sentado no trono ao lado direito do Pai e, além da proximidade, tem todo o mérito para interceder. Nossas orações se ancoram na cruz, que simboliza o sacrifício de Jesus. Por isso, a oração é dirigida a Deus, em nome de Jesus, no poder do ­Espírito. O que passar ou faltar disso foge ao roteiro bíblico. Que a oração estava ligada aos sacrifícios diários, seguindo de perto seus horários, não há dúvida (Ed 9:5; Dn 9:21; Lc 1:8-10; At 3:1; 10:1-4).

No judaísmo do tempo de Jesus, ressalta Jeremy Penner, em geral a oração era coordenada com uma de três rotinas: (1) os ciclos diários dos luminares celestes, (2) os horários de dormir e levantar, (3) o sacrifício cúltico diário (Patterns of Daily Prayer in Second Temple Period Judaism [Brill, 2012], p. 209). Apesar das justificativas para a oração em outros momentos, o horário ligado aos sacrifícios era compreensível, pois as pessoas acreditavam na eficácia deles, e supostamente a oração nesse horário maximizava e efeito da oração. Mas essa prática não era requerida pela lei divina nem incentivada pelos sacerdotes.

A relação entre oração e sacrifício é refletida no próprio simbolismo do incenso subindo ao Céu (Sl 141:2; Lc 1:8-10; Ap 5:8; 8:3, 4). No contexto do santuário, apenas o sacerdote podia oferecer incenso. Mas Cristo, nosso Sumo Sacerdote perfeito e definitivo, abriu o caminho que nos garante o livre acesso ao santuário celestial e a aproximação do trono de Deus (Hb 4:14-16). Por esse motivo, nossas orações em nome de Jesus sobem ao Céu como incenso e podemos interceder pelos outros. Em resposta à intercessão, Deus pode alterar o veredito. A mudança de pensamento de Deus está na tensão entre eleição e obediência à aliança, e a intercessão se encontra no centro dessa tensão, argumenta Michael Widmer em seu livro ­Standing in the Breach (Eisenbrauns, 2015).

Ao interceder, precisamos ser generosos. Nossas súplicas não devem ser somente em favor dos interesses pessoais e locais, mas da comunidade mais ampla e do mundo. Oração não é contemplação do próprio umbigo. No livro Ten Great ­Preachers, editado por Bill Turpie (Baker, 2000, p. 117), o teólogo John Stott relembra uma vez em que visitou uma igreja anonimamente e sentou-se lá atrás, incógnito. Na hora da oração, um irmão orou pelo pastor, que estava no período de descanso. “Bem, tudo certo”, comentou Stott. “Os pastores devem ter bons feriados.” Depois, o membro orou por uma grávida que estava para dar à luz, o que também é bom. Por fim, ele pediu em favor de uma senhora doente, e logo pronunciou o amém. Tudo isso levou 20 segundos. Então Stott pensou consigo: “É uma igreja de vila com um Deus de vila. Eles não têm interesse no mundo lá fora. Não houve preocupação com os pobres, os oprimidos, os refugiados, os lugares marcados pela violência e a evangelização mundial.” Será que o nosso Deus é pequeno assim?

A RESPOSTA

Deus é grande e quer que oremos, mas será que não existe o risco de Ele rejeitar nossas orações? “Deus responde às orações porque é amor. Quem ama se interessa, atende, age, busca soluções”, alguém pode argumentar. No entanto, será que isso significa fazer sempre o que pedimos? E quando nossas orações parecem bater num Céu de bronze? O que dizer quando criamos círculos de oração por pessoas com Covid-19 e algumas melhoram e outras morrem?

Talvez você seja tentado a elaborar sua teologia da oração a partir das suas experiências, contabilizando as vezes em que Deus aparentemente respondeu “sim”. Mas é bom evitar essa tentação, pois a base teórica da oração vem da Palavra e não do nosso sentimento. Nossas orações não ficam perdidas nem esquecidas no espaço, pois anjos estão de prontidão para levá-las a Deus e ­registrá-las no livro do Céu, conforme observou Ellen White (Comentário Bíblico Adventista [CPB, 2014], v. 4, p. 1306).

De acordo com ela, as orações têm um papel decisivo no cenário do conflito entre o bem e o mal. Satanás tenta neutralizar o avanço do reino de Deus, porém a atuação de anjos destacados que ocupam postos específicos impede que os poderes das trevas obtenham vantagem (Comentário Bíblico Adventista [CPB, 2014], v. 4, p. 1294). Isso dá um vislumbre dos bastidores do conflito, evidenciando que certas orações realmente são atendidas e têm um poder significativo.

A ORAÇÃO CRIA UM ELO DE AFEIÇÃO, UMA INTIMIDADE ESSENCIAL, UMA CERTEZA INTERIOR, UM TESTEMUNHO DO ESPÍRITO, UMA ÂNCORA DE FÉ

O problema não é a oração respondida, é a “ignorada”. A questão do silêncio de Deus causa perplexidade, e não é de hoje (Jó 30:20; Sl 22:2a; Hc 1:2). Porém, às vezes, Deus não responde do jeito que pedimos porque o “sim” à nossa súplica poderia causar mais mal do que bem. Imagine a confusão que seria o Universo se todas as orações fossem atendidas ao pé da letra! Pode também não ser o momento certo, e Deus precisará dizer “espere”, assim como os pais dizem para os filhos. Você daria um sorvete para um bebê, se ele conseguisse pedir, ou um carro para um menino de 10 anos? Nesse caso, o melhor é esperar com paciência.

Além disso, a insistência no erro e os pedidos egoístas podem bloquear as respostas divinas (Sl 66:18; Tg 4:3). Por outro lado, Deus pode não responder também porque a resposta depende de nós mesmos, exigindo uma mudança de atitude. A oração muda as pessoas e, às vezes, as circunstâncias. O problema é que geralmente queremos que Deus mude os contextos, mas não nós mesmos. Por fim, a resposta pode já estar em processo, pois Deus está mexendo as peças, e simplesmente não conseguimos perceber.

Outro aspecto é que devemos aceitar que o Eterno exerça Sua soberania. A oração de fé não visa adequar a vontade de Deus à nossa, mas alinhar nossa vontade à Dele. Deus conhece detalhes, nuances, implicações. Nossos desejos podem não corresponder ao propósito divino. O presente dos sonhos talvez não seja a chave para um futuro de felicidade. No caso de uma doença, e se a continuidade da vida não for para o bem da pessoa? “Nem sempre é prudente suplicar cura incondicional”, pondera Ellen White. Deus sabe que, no contexto do fim, nem todos por quem oramos seriam capazes de suportar a prova (Conselhos Sobre Saúde, p. 375). Isso não quer dizer que os que estão morrendo se enquadrem nesse ­perfil, mas significa que não podemos sondar os desígnios de Deus.

O Senhor pode cessar a pandemia em resposta à intercessão? Pode. Ele já fez isso em relação às pragas (Êx 8:8-13, 30, 31; 9:28-33; 10:16-19). Porém, via de regra, os milagres em resposta às orações têm um caráter teológico. Eles ocorrem em contextos de confronto entre o bem e o mal para vindicar os agentes divinos, potencializar a pregação do evangelho e promover a glória de Deus. Embora a natureza possa sofrer uma interferência sobrenatural, ela tem suas leis e segue seu ritmo. Assim, a respeito do que acontece regularmente no Universo, como o giro do sol, não precisamos orar, pois já é a vontade de Deus em funcionamento. Por isso, os milagres são, por definição, raros. Não devemos confundir possibilidade (Deus pode) com probabilidade (Deus fará). A oração em nome de Jesus não é uma fórmula mágica para operar milagres. No entanto, mesmo quando não vemos a ação divina, Deus continua sendo nosso Médico e o Doador da vida.

A solução divina é global e já foi oferecida na cruz, sendo validada na ressurreição de Cristo. Portanto, o milagre é garantido a nós, independentemente da cura, e vai além das expectativas. Clamamos por uns anos a mais de vida, Deus oferece a eternidade. Pode não ser a resposta que esperamos, mas é a resposta que mais conta, e será honrada. Isso é difícil de entender ou aceitar, especialmente quando os pais morrem e deixam dois filhos pequenos, como ocorreu no Paraná. É então que entra a fé. A esperança escatológica mostra que o presente é menos do que o ideal. Por isso, olhamos para o Céu e a eternidade. A oração não pode ser vista apenas pela perspectiva imediata e pelo horizonte humano. Oração é abandono aos cuidados de Deus, ainda que voltemos ao pó ou viremos cinza.

Para finalizar, oração é o abrir do coração entre duas pessoas que se amam e confiam uma na outra, sendo uma pequena e a outra infinitamente grande. O maior dom da oração não é o que Deus nos dá, mas o próprio Deus. E, quando temos Deus, a resposta não importa, pois será sempre a melhor. Toda oração resulta em algo bom.

Vivemos nos dias da fé escassa, do amor em declínio, do pecado atrevido, do fim próximo, da missão incompleta, da necessidade de buscar poder, pedir com insistência, profetizar novamente a cada nação, tribo e língua, tempo de clamar e proclamar. Você aceita chegar ao trono com ousadia para interceder, independentemente do resultado?

MARCOS DE BENEDICTO, pastor, jornalista e doutor em Ministério, é editor da Revista Adventista

(Matéria de capa da edição de maio de 2021)

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Última atualização em 30 de abril de 2021 por Márcio Tonetti.