Para que serve a igreja

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A natureza e o propósito da estrutura eclesiástica

Wellington Barbosa

Ilustração: Jairo Ostemberg

A igreja como instituição desempenha um papel fundamental no cumprimento da missão adventista. Ela oferece unidade, estrutura, liderança e coordenação para alcançar objetivos missionários globais. No entanto, estamos vivendo um período em que a igreja tem sido questionada, e alguns pontos se destacam nesse movimento. A pergunta é: Precisamos de uma instituição?

A tendência congregacionalista em alguns países do hemisfério Norte indica a preferência por estruturas descentralizadas, nas quais as decisões são tomadas no nível da igreja local. Isso reflete a busca por uma autonomia que minimiza o papel da hierarquia eclesiástica. Como resultado, tem aumentado de maneira significativa os desafios de coordenação e coesão, especialmente em questões que vão além da dinâmica da igreja local, como integridade doutrinária e alinhamento para cumprir a missão global assumida pela Igreja Adventista.

Em segundo lugar, as críticas ao sistema organizacional atual estão relacionadas à percepção de que a igreja, como instituição, perdeu de vista seus propósitos originais e tornou-se mais preocupada com sua própria preservação do que com o serviço à  comunidade.

Como consequência desse pensamento, a multiplicação de ministérios independentes pode ser vista como reação a essas críticas e uma tentativa de preencher os vazios supostamente deixados pela instituição. Aqui é necessário distinguir o que é chamado de ministérios independentes do que chamamos de ministérios de apoio. Os ministérios independentes atuam de maneira divisiva, fragmentando a comunidade, criando competição e redundância de esforços e enfraquecendo a coesão doutrinária e a colaboração missionária. Por outro lado, os ministérios de apoio trabalham em colaboração com a igreja, estão comprometidos com a doutrina adventista e oferecem apoio à missão em diferentes ramos de trabalho.

De maneira geral, os ministérios independentes usam citações descontextualizadas de Ellen White, fazendo uso de uma interpretação seletiva e manipulativa de suas orientações, a fim de conquistar adeptos para suas reivindicações. Isso leva a mal-entendidos, distorções doutrinárias e conflitos internos. É fundamental praticar uma hermenêutica responsável, buscando entender o significado original dos textos e aplicá-los corretamente ao contexto contemporâneo. Diante desse panorama, precisamos definir biblicamente o que é a Igreja. É uma entidade jurídica? Uma associação de interesse mútuo? Um grupo de fiéis que creem em pontos doutrinários comuns? Afinal, o que caracteriza
uma comunidade de fé adventista do sétimo dia?

ESTRUTURA ORGÂNICA

A Bíblia não apresenta um único texto sobre o tema, mas alguns versículos expressam metáforas conceituais interessantes sobre a igreja. Ela é “geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (1Pe 2:9); rebanho de Jesus (Jo 10:11-16); “família de Deus” (Ef 2:19); corpo de Cristo (1Co 12:12-17); e templo do Espírito Santo (1Co 3:16, 17).

A metáfora do templo do Espírito Santo destaca uma união interessante, algo que também se repete em outros termos, como edifício vivo (Ef 2:20-22) e pedras vivas (1Pe 2:4, 5). O que chama atenção? É perceptível que esses textos bíblicos unem duas dimensões: uma estrutural, representada pelas metáforas de templo, edifício e pedras; e outra orgânica, representada pelas palavras Deus/Espírito, vivo e vivas.

No entanto, é verdade que em alguns contextos adventistas pode haver um desequilíbrio prejudicial entre essas duas dimensões. Alguns enfatizam a obra do Espírito por meio da instituição; outros enfatizam a obra do Espírito no desenvolvimento da comunidade. O desequilíbrio afeta a mensagem e a missão da igreja. Portanto, é importante buscar uma compreensão equilibrada e integral da natureza da igreja, reconhecendo tanto sua estrutura organizacional quanto sua essência orgânica como o corpo de Cristo.

O teólogo Michael Goheen apresentou uma perspectiva interessante sobre o equilíbrio dessas dimensões. Ele a chama de “corrente de quatro elos”. Em suas palavras: “O primeiro elo é Jesus Cristo e a salvação do reino realizada por Ele em Sua morte e ressurreição. O segundo é a instituição da igreja, pela qual Jesus Cristo é proclamado nos diversos ministérios da igreja e pelos quais o povo de Deus é incorporado nessa obra e experimenta a salvação escatológica. O terceiro elo é a vida vibrante da comunidade, que dá evidências dessa salvação por meio da obra do Espírito. O quarto é o mundo incrédulo, o qual vê e ouve as boas-novas na igreja” (A Igreja Missional na Bíblia [Vida Nova, 2014], p. 211, 212).

O desenvolvimento da Igreja Adventista demonstra uma compreensão gradual dessa estrutura quádrupla. Inicialmente, o movimento adventista do sétimo dia não estava preocupado em estabelecer uma organização. O foco estava em pregar as verdades descobertas àqueles que haviam pertencido ao movimento milerita.

Contudo, a partir de 1850, ocorreram mudanças significativas na compreensão missiológica dos líderes adventistas devido a vários fatores. A demora no retorno de Cristo levou a reconsiderar a necessidade de profetizar, enquanto as visões de Ellen White ampliaram a visão missionária do grupo.

Ademais, a conversão de não mileritas ao adventismo sabatista impulsionou a formação de pequenos grupos de fiéis. Assim, em 1853, os líderes começaram a emitir credenciais de recomendação aos ministros aprovados pelo movimento para manter a coerência doutrinária diante das diferentes interpretações surgidas entre os pregadores enviados.

Além dos problemas com falsos mestres, o movimento também sofria com a desorganização. Às vezes, muitos pastores atendiam uma congregação, enquanto outras ficavam sem ajuda. Faltava um esforço concentrado, e os adventistas sabatistas percebiam que era necessário fazer algo. Inicialmente, as ideias a favor da organização institucional não foram aceitas imediatamente devido à oposição interna. Apesar da clara necessidade de uma estrutura formal, alguns resistiram.

Ellen White descreveu a luta para estabelecer a organização. Em 1904, ela afirmou: “Faz já quarenta anos que foi introduzida a organização entre nós, como um povo. Fiz parte daqueles que tiveram experiência ao estabelecê-la desde o princípio. Conheço as dificuldades que tiveram de ser enfrentadas, os males que ela se destina a corrigir, e tenho notado sua influência em relação com o crescimento da causa. Na fase inicial da obra, Deus nos deu luz especial sobre este ponto, e esta luz, juntamente com as lições que a experiência nos ensinou, deveria ser tida em cuidadosa consideração. […] Tivemos uma árdua luta para estabelecer a organização. Apesar de o Senhor dar testemunho após testemunho a esse respeito, a oposição era forte, e teve de ser enfrentada repetidas vezes. Sabíamos, porém, que o Senhor Deus de Israel nos estava dirigindo e guiando pela Sua providência. Empenhamo-nos na obra da organização, e uma evidente prosperidade acompanhou esse movimento de progresso” (Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos [CPB, 2017], p. 24-27).

As principais razões dessa resistência incluíam a influência de líderes provenientes de igrejas contrárias a estruturas superiores e o medo de se tornar uma “Babilônia” ao se organizar. No entanto, Ellen White apresentou cinco razões claras para a urgência da organização, incluindo o sustento do ministério, a expansão da obra, a proteção doutrinária, a gestão dos bens e a divulgação da verdade por meio da imprensa (Ellen G. White, Testemunhos Para Ministros [CPB, 2001], p. 26).

SE PERMITIRMOS QUE ELEMENTOS EXTERNOS À NOSSA MENSAGEM E MISSÃO TENHAM ACESSO E AUTORIDADE SOBRE NOSSO POVO, SEREMOS RESPONSÁVEIS POR ENFRAQUECER A IGREJA E NEUTRALIZAR SEUS ESFORÇOS MISSIONÁRIOS

Gradualmente, os líderes adventistas abordaram essas necessidades, primeiro concentrando-se em apoio ministerial, expansão da obra evangelística e proteção doutrinária. Em seguida, enfrentaram desafios legais relacionados à editora e às congregações estabelecidas. Apesar de terem líderes, doutrinas e um periódico, ainda não tinham um nome formalmente reconhecido.

O ano de 1860 marcou o passo para a instituição oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Entre 28 de setembro e 1º de outubro, os líderes do movimento decidiram solicitar à Assembleia Legislativa do Estado de Michigan a aprovação de um ato que lhes permitisse organizar uma Associação Publicadora Adventista.

Após intenso debate, também escolheram o nome oficial da denominação: Igreja Adventista do Sétimo Dia. A constituição legal e o nome formal impulsionaram avanços institucionais mais rápidos e significativos. Em 1861, foi organizada a primeira Associação local, a Associação dos Adventistas do Sétimo Dia de Michigan. Ao estabelecer o regulamento, os líderes decidiram emitir credenciais anuais aos pastores que serviam dentro de seus limites, a fim de garantir a autenticidade dos pregadores itinerantes. Assim, a igreja começou a padronizar o trabalho dos pastores e líderes locais. Finalmente, em 1863, foi estabelecida a Associação Geral.

IGREJA VIVA

Ilustração: Jairo Ostemberg

Progressivamente, o movimento adventista cresceu em sua compreensão doutrinária, eclesiástica e congregacional, ou seja, três dos quatro elos mencionados por Michael Goheen. Portanto, o desafio passou a ser conectar-se com o quarto elo: o mundo a evangelizar. Seria bom dizer que a igreja obteve sucesso nisso, mas a maior evidência de que a expectativa não corresponde aos fatos é que Jesus ainda não voltou. Essa debilidade não passava despercebida por Ellen White.

Em 1895, diante de um crescimento incompatível com a grandeza da missão adventista, ela escreveu: “As cidades da América, neste país [Austrália] e em outros países, não estão sendo trabalhadas como deveriam, e ainda assim somos exortados a ser colaboradores de Deus. Em vez disso, muitas igrejas, coletiva e individualmente, têm estado tão distantes de Deus, tão separadas de Seu Espírito, que têm deixado pessoas perecerem ao seu redor, enquanto têm chamado obreiros para trabalhar na igreja. Esse trabalho foi concedido a eles, e os impenitentes e os pecadores foram roubados das mensagens que o Senhor lhes daria” (Review and Herald, 11/6/1895).

A análise feita por Ellen White aponta alguns problemas que ainda persistem. Em primeiro lugar, continuamos carentes da plenitude do poder do Espírito Santo. Alguém disse certa vez: “Os discípulos oraram por dez dias, pregaram em dez minutos e batizaram 3 mil pessoas; nós geralmente oramos por dez minutos, pregamos por dez dias e não batizamos ninguém!” Precisamos daquilo que Ellen White chamou de reavivamento e reforma, algo que vai além das mudanças pessoais e promove uma revolução eclesiológica. De fato, todo reavivamento e reforma que não levam à ação não passam de ilusão.

Em segundo lugar, e como consequência da falta do Espírito Santo na vida da igreja, aparece a indiferença quanto ao destino eterno das pessoas ao redor. A individualização da experiência cristã tem gerado uma relação de consumo, na qual um número significativo de membros vai aos cultos, aprecia boas músicas, emociona-se com mensagens tocantes, eventualmente devolve seus dízimos e dá suas ofertas, e contribui com alguma campanha de ação solidária. A ideia de que “todo verdadeiro discípulo nasce no reino de Deus como missionário” (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações [CPB, 2021], p. 146) não foi incorporada à vida dessas pessoas, enfraquecendo o potencial de crescimento da igreja.

Finalmente, e como desdobramento da falta do Espírito e dessa relação de consumo, encontra-se a terceirização da missão. O que não é feito coletivamente pela igreja passa a ser delegado a missionários pagos para trabalhar por ela. Isso justifica o aumento do orçamento local, a diminuição dos recursos compartilhados com a missão mundial e os pedidos por mais obreiros assalariados por congregação.

Ellen White, porém, não se limitou à análise do fenômeno, mas apresentou o remédio para contê-lo. “Se a igreja fosse uma organização viva e ativa, com vida em si mesma, seus membros experimentariam angústia por almas. Os membros individuais da igreja se esforçariam para transmitir a luz do conhecimento da verdade àqueles que nunca foram iluminados pela verdade. Quando o agente humano se coloca em conexão viva com Deus, o Espírito Santo operará nele ‘tanto o querer quanto o efetuar’. Uma conexão vital é mantida entre a igreja no Céu e a igreja na Terra, e é manifesto que somos lavoura de Deus, edifício de Deus” (Review and Herald, 11/6/1895).

A presença do Espírito Santo leva os membros a se engajarem pessoalmente na missão de salvar pessoas. Ellen White ainda conectou a expressão “organização viva e ativa” com uma expressão bíblica,
“o edifício de Deus”. Por que ela fez isso?

Evidentemente, as dimensões estruturais e orgânicas que fazem parte da constituição da igreja não podem ser ignoradas nem enfraquecidas. Os propósitos que nortearam o estabelecimento da Igreja Adventista não devem ser esquecidos: o sustento do ministério, a expansão da obra, a proteção doutrinária, a gestão dos bens e a divulgação da verdade por meio da imprensa. Se permitirmos que elementos externos à nossa mensagem e missão tenham acesso e autoridade sobre nosso povo, seremos responsáveis por enfraquecer a igreja e neutralizar seus esforços missionários.

O que deveria nos unir como membros da igreja de Deus é o desejo de que o evangelho seja pregado nesta geração e, muito em breve, vejamos a face de Cristo. Na fase final do seu ministério, Ellen White compartilhou um grande desafio:

“Sinto uma profunda preocupação por aqueles que professam ser filhos de Deus, para que possam ser a luz do mundo. Se atenderem às exigências de Deus, será necessária muito mais vigilância, muito mais diligência incansável. Representar Cristo perante o mundo não recai apenas sobre aqueles que são ordenados como ministros do evangelho. Cada membro da igreja deve ser uma epístola viva, conhecida e lida por todas as pessoas. Esteja sempre vigilante para que sejam feitos e executados planos que proporcionem a cada membro da igreja uma participação no trabalho ativo para a salvação das pessoas. Essa é a única maneira pela qual a igreja pode ser preservada em uma condição saudável e próspera” (Review and Herald, 19/12/1912).

Assim, precisamos assumir nossa responsabilidade neste momento solene: buscar o batismo com o Espírito Santo; manter a harmonia entre os diferentes ofícios de liderança eclesiástica; planejar o trabalho da igreja; discipular cada membro para encontrar seu lugar no corpo de Cristo; viver a missão e motivar nossos irmãos a fazer o mesmo. Não há espaço nessa dinâmica para atitudes e discursos que nos dividem.

Na oração sacerdotal de Jesus, Ele implorou ao Pai: “Não peço somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em Mim, por meio da palavra que eles falarem, a fim de que todos sejam um. E como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste” (Jo 17:20, 21). Sejamos hoje a resposta à Sua oração. 

WELLINGTON BARBOSA é editor da Revista Adventista

(Matéria de capa da Revista Adventista de junho/2024)

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Última atualização em 14 de junho de 2024 por Márcio Tonetti.