Coração de mulher

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Ao anunciar a aposentadoria, Ella Simmons reflete sobre sua trajetória profissional. Conheça a história da primeira mulher a ocupar o cargo de vice-presidente da sede mundial adventista

Wilona Karimabadi

Ella Simmons se sente orgulhosa de ser filha da cidade de Louisville, Kentucky, nos Estados Unidos. Além disso, ela também é mãe, avó, bisavó, esposa, educadora e é a primeira mulher a ocupar o cargo de vice-presidente da Associação Geral (AG). Encontrar essa pessoa tão gentil, meiga no falar, compassiva e de enorme coração é como estar frente a frente com a protagonista de uma história de vida conduzida pelo próprio Criador.

Nascida e criada em uma família batista, Ella Simmons conviveu bem de perto, desde cedo, com cinco irmãos, todos meninos; uma experiência que a preparou para o que estava por vir. Ainda criança, quando estudante da escola primária, durante o movimento contra a segregação racial no país, ela nem sempre foi capaz de assimilar o significado da agitação política e social que fervilhava ao seu redor. "Nossa vizinhança era mestiça, com gente de várias etnias, por isso eu não entendia bem o que estava acontecendo. Só sabia que eu iria estudar em uma escola diferente, a que as crianças brancas de meu bairro frequentavam. Para mim, aquilo nem era positivo, nem negativo. Era apenas uma mudança. Mas meus pais não tinham certeza de que as ruas eram um lugar seguro para mim, devido às coisas que estavam ocorrendo no país”, Ella relata.

Então, o senhor e a senhora Simmons, querendo incutir confiança e coragem na filha, permitiram que ela fosse sozinha para a escola. Mas o que a menina não sabia era que, em segredo, os pais dela a seguiam. “Eles me deixavam ir andando à escola, para que eu me sentisse independente, mas não confiavam na sociedade. No entanto, em nossa cidade, ou ao menos em nosso bairro, as coisas estavam muito tranquilas”, acrescenta.

Jornadeando

Durante o Ensino Médio, Ella Simmons conheceu Nord, o rapaz com quem se casaria. Mas aqueles eram os anos da guerra do Vietnã, e a vida estava mudando bem rápido para muitos de seus conhecidos. “Nord e eu éramos bons amigos no colégio, bem achegados. Logo após o Ensino Médio, quando estávamos prestes a nos despedir um do outro, para irmos estudar em diferentes faculdades, percebemos de repente que o que queríamos realmente era ficar juntos”, Ella conta. “Era o período da guerra do Vietnã. Muitos de nossos amigos estavam sendo mandados para a guerra; muitos deles estavam morrendo em combate. E então, é claro, presa nas suaves teias da minha história de amor, eu pensei: ‘Oh, não! Nord vai acabar indo para a guerra!’ Então decidimos que eu não aceitaria minha bolsa de estudos na Universidade Andrews, e ele rejeitaria a bolsa de estudos dele na Universidade de Hampton. O que faríamos era nos casar. Voltaríamos a estudar depois, conforme o andar da carruagem”, acrescenta. Como é fácil de imaginar, essa decisão trouxe grande descontentamento à família de Ella Simmons. Mas o jovem casal se manteve firme em sua resolução. Assim, aos 18 de idade, Ella já era uma mulher casada.

Poucos anos antes, ela havia aceitado a mensagem adventista, em uma campanha de evangelismo público. “Deus colocou aquela tenda enorme literalmente do outro lado da rua onde morávamos. Eu sei que isso foi providência divina. Antes, porém, por quase dois anos, eu já vinha tentando compreender certas verdades bíblicas por mim mesma e lutava com as discrepâncias que havia entre o que eu lia e aprendia na Bíblia, por um lado, e, por outro, os costumes e estilo de vida de meus amigos e irmãos da Igreja Batista que não combinavam bem com o que eu lia”, Ella diz.

“Ainda adolescente, comecei essa jornada tentando entender a história do sábado e descobrir como o dia sagrado de adoração foi mudado. Em determinado momento, em nosso colégio, recebemos a visita de um rabino e de um ou dois pastores evangélicos para participar de um debate em um painel sobre diferenças religiosas. Nós os interrogamos sobre suas crenças. Lembro-me até hoje da pergunta improvisada que eu fiz: ‘Que autoridade mudou a guarda do sábado, o sétimo dia, para a do domingo, o primeiro dia da semana?’ Aquilo mexeu com todo mundo. Mas eu já vinha pensando em tudo aquilo antes, particularmente. Havia um questionamento dentro de mim. E assim, procurando achar respostas para minhas perguntas, eu me tornei adventista”.

Depois de trabalhar na Universidade de Oakwood (na época, Oakwood College) como vice-diretora acadêmica, Ella Simmons foi convidada a servir na Universidade de La Sierra como vice-diretora acadêmica e pró-reitora.

Quando já era uma profissional da área de educação, Ella sentiu o chamado de Deus para trabalhar na Universidade de Oakwood (na época, Oakwood College), onde assumiu o cargo de vice-diretora acadêmica. No ano 2000, depois da Assembleia da Associação Geral em Toronto, Canadá, Ella Simmons foi convidada a servir na Universidade de La Sierra como vice-diretora acadêmica e pró-reitora. “Morávamos em Riverside, bem perto da universidade. Amávamos cada momento vivido ali e gostávamos demais de La Sierra, mas daí sentimos o chamado para ir a outro lugar. Foi como a experiência de Abraão e Sara. Não sabíamos para onde iríamos; não tínhamos pista alguma. Deus só nos disse que devíamos ir. Então vendemos a casa antes da cerimônia de formatura dos estudantes daquele ano”. Sem divisar com clareza o caminho a seguir, Ella Simmons pensava na possibilidade de dar aulas na pós-graduação. Ela até recebeu alguns convites para servir como reitora em outras universidades adventistas, mas, para todas essas alternativas, Deus disse não.

Caminho trilhado

“O presidente da AG na época, Jan Paulsen, me chamou para ir ao escritório dele e me surpreendeu com a notícia de que estava considerando meu nome para eu servir na Associação Geral como vice-presidente. Minha reação inicial foi só rir. O doutor Paulsen disse então: ‘Estou falando sério. Você aceitaria?’ Depois de me recompor, eu disse: ‘Bem, se isso tiver de acontecer, Nord e eu faremos o que sempre fazemos: oraremos a respeito. Se Deus está nos chamando, nós O serviremos’. Então ele disse: ‘Bem, isso era tudo que eu precisava ouvir’”.

Quando seu nome foi cogitado para o cargo durante a assembleia, Ella Simmons esperava receber uma enxurrada de comentários negativos. Nord, seu esposo, que não estava disposto a lidar com aquilo nem queria presenciar o fato, decidiu sequer comparecer à reunião que trataria o assunto. Mas não aconteceu nada do que ele temia. “Depois de alguns comentários elogiosos, ergueram-se os cartões amarelos. De onde eu estava, pareceu-me haver um mar de cartões amarelos levantados. Então, meio incrédula, eu pensei: ‘Eles estão mesmo fazendo isso!’ O que ocorreu em seguida é que eu fui chamada em público para tomar posse do cargo. Olhando para frente, eu orei: ‘Senhor, não me deixe tropeçar nem cair quando eu estiver caminhando até a plataforma’”.

Como primeira e única mulher até então a ocupar o cargo de vice-presidente da Associação Geral, Ella Simmons sente que sua experiência de infância na convivência com cinco irmãos a preparou para se unir a uma “irmandade masculina”, mantendo, ao mesmo tempo, a própria identidade. Ela foi bem recebida, desde o princípio, por seus colegas vice-presidentes, que apoiaram sua nomeação.

Todavia, entre os membros da comunidade adventista afro-americana mais ampla, a notícia não foi recebida com entusiasmo no início. “Nesse grupo, eles achavam que eu era parte de um complô para eliminar o nome de um homem afro-americano da equipe de vice-presidentes da AG. Houve algum ressentimento a princípio. Outros acreditavam que, se os delegados iam escolher uma mulher, não devia ter sido eu a indicada”, Ella diz.

Como primeira e única mulher até então a ocupar o cargo de vice-presidente da Associação Geral, Ella Simmons sente que sua experiência de infância na convivência com cinco irmãos a preparou para se unir a uma “irmandade masculina”.

“Eu tive que confiar que isso era uma decisão de Deus, não do irmão Paulsen, não da ala negra da igreja, não do pessoal do Ministério da Mulher”, acrescenta. “Tinha que ser algo diretamente de Deus para mim. E em todo tempo eu senti que era justamente isso que estava acontecendo. Eu nunca aspirei a esse cargo. Eu nunca o procurei. Fui pega de surpresa”. Dentro de pouco tempo e depois de algumas conversas francas, as questões em torno de sua eleição foram resolvidas.

Seguindo em frente

Agora, 17 anos depois, chegou a hora de Simmons descansar um pouco. Como parte de suas atividades na vice-presidência da AG, Ella empregava parte considerável de seu tempo em viagens internacionais e no trabalho com outros departamentos da Associação Geral. A partir de agora, essa rotina mudará. No entanto, Ella Simmons foi e será sempre, antes de mais nada, uma incansável defensora das mulheres e dos afro-americanos, opondo-se ao racismo, à discriminação social, aos nacionalismos e a toda e qualquer forma de exclusivismo, especialmente na igreja. Ela continuará seu ministério escrevendo para a Enciclopédia Adventista do Sétimo Dia e pegando talvez também algumas aulas para dar.

Ella Simmons foi e será sempre, antes de mais nada, uma incansável defensora das mulheres e dos afro-americanos, opondo-se ao racismo, à discriminação social, aos nacionalismos e a toda e qualquer forma de exclusivismo, especialmente na igreja.

Ao refletir sobre seu serviço prestado à igreja mundial, Ella Simmons sente um grande pesar no coração. “O mundo à nossa volta se contorce num cenário de agitação, violência e convulsão social. Porém, como adventistas, muitas vezes nós simplesmente dizemos que é porque estamos vivendo nos últimos dias. Daí damos de ombros, com indiferença. Isso me machuca. Meu coração se aflige quando fazemos isso. Nós estamos aqui com um propósito específico e devemos nos levantar e enfrentar as crises pelo que elas são aqui e agora, como os primeiros adventistas fizeram. Devemos tornar nosso senso de missão conhecido por meio de palavras e ações – principalmente de ações – no lugar onde estivermos, no lugar onde Deus está, em meio a esses problemas e atrocidades. Na Igreja Adventista, devemos viver esse amor, pois para isso Jesus nos chamou das diversas nações, raças e etnias, independentemente de sexo, idade e classe social. Vivamos assim, e que o mundo olhe para nós e diga: ‘Podemos passar apertos aqui, mas vejam aquelas pessoas. Elas vivem em harmonia e união. O que está acontecendo com elas? Como conseguem?’ E que possamos então dizer: ‘É por Jesus, por Ele apenas. Vocês não gostariam de conhecê-Lo? Não querem experimentá-Lo também?’”

WILONA KARIMABADI trabalha como editora-assistente no Ministério Adventist Review

Perfil publicado originalmente no site da revista adventista em inglês

Tradução: Júlio Leal

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