Explosão de solidariedade

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Pastor e autor ucraniano reflete sobre as perdas, as surpresas e os milagres testemunhados em tempos de guerra

Diogo Cavalcanti

O conflito russo-ucraniano se estende desde 2014 e escalou para uma ampla invasão russa neste ano, deixando um rastro de destruição. Os efeitos da guerra também atingiram a igreja. O pastor Maksym Krupskyi, conselheiro da presidência da União Ucraniana, diretor de Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa e diretor do Hope Media Center, conta sua experiência. Nascido em uma família pastoral, graduou-se e pós-graduou-se no seminário Zaoksky, na Rússia (país no qual seu pai trabalha). Ele iniciou seu ministério em uma cidade pequena próxima a Kiev e trabalhou em Bucha, onde sua filha Vladislava nasceu há 11 anos. Em seu trabalho no Hope Media Center, coordena 150 funcionários e oito estúdios de produção, envolvendo o Hope Channel, a filial da Rádio Mundial Adventista e a Escola Bíblica. Ainda de luto após a perda recente de seu irmão mais novo, em decorrência de um acidente automobilístico, o autor de dois livros publicados pela CPB (A Cruz de Maria e Meu Primeiro Acampamento) concedeu uma entrevista à Revista Adventista em St. Louis, durante a Assembleia da Associação Geral.

Qual foi sua primeira reação à guerra?

Não esperávamos que o conflito fosse acontecer. Ficamos chocados. É muito difícil acordar com explosões e ter que se refugiar. A Ucrânia tem 7 milhões de refugiados (praticamente 30% da população). Mais da metade das crianças foi retirada do país. Um dia antes da guerra havíamos gravado uma mensagem pedindo que houvesse uma solução pacífica para as tensões. Pedimos que a igreja orasse por isso. Na manhã seguinte, a guerra começou. O vídeo que eu mencionei foi enviado a todos os nossos parceiros. Recebemos muito apoio da igreja, e as orações nos ajudaram desde o início.

Como sua delegação conseguiu chegar à Assembleia da Associação Geral e como se sentem aqui em St. Louis?

Somos um grupo de mais de 20 pessoas. Recebemos uma permissão especial do governo. Há pouco tempo, não poderíamos ter deixado o país, mas depois o governo fez adaptações para que as pessoas que realizam trabalho humanitário pudessem buscar alguma ajuda para a Ucrânia. Pudemos encontrar pessoalmente muitos que nos ligaram ou oraram por nós. Três meses depois da guerra, estamos exaustos. Mas, na assembleia, pudemos de alguma forma ser espiritualmente renovados.

Foto: Gerhard Weiner / Adventist Media Exchange (CC BY 4.0)

Houve destruição e caos no país. Como a guerra afetou a igreja mais especificamente?

A Igreja Adventista na Ucrânia tem 44 mil membros, e cerca de 15 mil deixaram o país. Algumas cidades foram completamente destruídas. Tínhamos igrejas em Mariupol e em outros lugares, mas não há mais cidades nem igrejas ali. Em geral, sabemos que dez adventistas morreram, 20 estão desaparecidos e mais de 500 casas de membros da igreja foram ­destruídas. Além disso, perdemos mais de dez templos. Nossa instituição educacional em Bucha foi evacuada e depois amplamente danificada. O maior problema está no leste da Ucrânia, especialmente nos territórios ocupados, como Kherson. Mesmo assim, alguns de nossos pastores continuam a trabalhar ali, e os irmãos, a se reunir. Nossa instituição educacional continua a funcionar on-line. A sede do Hope Channel, transferida para o oeste, também funciona em quatro dos oito estúdios, assim como a editora, parcialmente. Tivemos bons resultados por meio de nossa clínica Angelia, que oferece atendimento grátis e de boa qualidade, assim como acompanhamento médico e social.

Você mencionou o trabalho da igreja pela sociedade. Conte-nos mais sobre isso.

Os templos adventistas da região oeste se tornaram abrigos para refugiados e hoje atendem mais de 30 mil pessoas. Por meio das nossas igrejas foram distribuídas mais de mil toneladas de donativos. E a ADRA fez muito mais. Nossos pastores não somente cuidaram das igrejas; eles ajudaram as pessoas a escapar da guerra. Nossos irmãos da região oeste abriram suas casas e anunciaram publicamente por meio de propagandas que as pessoas poderiam encontrar lugar para dormir, sem distinção. Trabalhamos com as rotas de evacuação em contato com a igreja em países vizinhos, especialmente Polônia, Romênia e Eslováquia. Nossos irmãos e os pastores estão ajudando o maior número de pessoas possível.

Como vocês têm conseguido recursos para ajudar tanta gente?

Temos uma administração muito generosa. A União e a Associação decidiram gastar tudo o que tinham. E em duas semanas vimos o Senhor cobrir todas as despesas, pois a igreja nos países vizinhos nos ajudou. Eles levaram comida e outras coisas para os refugiados. Recebemos uma grande ajuda de países europeus e de irmãos e irmãs da Coreia do Sul, do Japão, dos Estados Unidos e até mesmo de países mais pobres que a Ucrânia. Ficamos muito agradecidos por tudo isso e vimos que Deus nos ajudou de forma especial.

Imagino que você tenha muitas histórias para contar. Poderia compartilhar as que mais o impactaram?

Em primeiro lugar, toda a sociedade esteve envolvida na missão de salvar o maior número de famílias, especialmente aquelas com crianças. Ficamos maravilhados com a quantidade de voluntários que vimos. Em segundo lugar, o que me impactou muito foi o trabalho dos pastores. Foram eles que evacuaram pessoas sob os bombardeios. Também compartilharam sua comida, convidaram pessoas para suas casas. Outros distribuíram ajuda perto de áreas sob ataque. Eles são heróis. Vimos também intervenções divinas e milagres. Um pastor tentou escapar de uma cidade quase toda ­ocupada. Quando corria a pé em algumas ruas junto de outras pessoas, desconhecia as rotas de evacuação. Então eles disseram que viram duas mulheres bem vestidas que andavam calmamente na estrada. Logo perguntaram a elas: “O que estão fazendo aqui?” Elas disseram: “Vocês podem escapar por esse caminho. Vão por ali.” Eles seguiram pelo caminho indicado, mas, quando se voltaram para elas, viram que tinham desaparecido. Conseguiram chegar em segurança e têm a certeza de que Deus interveio para ajudá-los. Outro caso foi o de Mikhail Brodaniuk, que estava em sua casa e ouviu a aproximação de um ataque aéreo. Então, foi rapidamente para o porão da igreja. Em dado momento, ele estava em outra parte e sentiu uma sede muito forte, como se fosse morrer. Correu para a cozinha a fim de tomar água. Segundos depois, uma bomba caiu no cômodo em que ele havia estado. A bomba atravessou o telhado, bateu em duas paredes e explodiu fora do prédio da igreja. Ele então saiu e começou a filmar a cena, mostrando o dano que havia do lado de fora. Assim, ele entendeu que havia recebido um livramento. Alguns soldados que estavam perto dali checaram os destroços do foguete e ficaram maravilhados pelo fato de ele não ter explodido dentro da igreja.

O que você vai levar desta assembleia mundial para a Ucrânia?

 As pessoas aqui dizem que estão orando continuamente, algumas de manhã e à noite. Eu ainda acredito na intervenção de Deus. Não podemos prever o que acontecerá através de uma análise geopolítica. Mas o último mês me mostrou que todos os tipos de problemas estão nas mãos de Deus. Hoje é tempo de confiar mais e mais Nele. É isso o que eu quero dizer às pessoas do meu país: “Confiem em Jesus em tempos difíceis”. E digo isso não somente para o povo do meu país, mas para todos.

(Entrevista publicada originalmente na Revista Adventista de julho de 2022)

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