A grandeza da Assembleia mundial da igreja começa em pequenas histórias
Diogo Cavalcanti
“Bom dia, Diogo, como está sua jornada? Já estou no Brasil. Não consegui abrir o livro... tem alguma dica?” – foi a mensagem que recebi ontem à noite de Carlos*. Eu o conheci no voo para os Estados Unidos. Ele é engenheiro de mecatrônica e trabalha com equipamentos médicos de última geração. É professor de uma especialização em sua área e, nas horas vagas, desmonta, reforma e monta perfeitamente motos belas e brutas, adaptadas para motocross. Eu vi as fotos: são incríveis! E isso é só um de seus passatempos.
Mansamente, ele me contou que decidiu, em suas palavras, “fazer uma loucura”, e disputar o campeonato estadual de motocross. Como novato na área, alcançou nada menos do que o terceiro lugar. Além de todas as realizações, nas horas vagas, Carlos ainda constrói coisas em sua marcenaria particular, uma delas, peças para um belíssimo chalé de madeira de dois andares que levantou no sítio de sua família, lado a lado com seu pai. Sua família parece muito feliz.
Esses fatos foram surgindo naturalmente na conversa com esse homem de sucesso, e não de uma tentativa dele de me impressionar. Em nenhum momento ele me pareceu autoafirmativo ou soberbo, o que ressaltou seu bom caráter, na minha percepção. Conversamos também sobre o mundo editorial e cibersegurança para hospitais. Suas ideias refinadas e serenidade me diziam que ele – mais ou menos da minha idade – era alguém acima do comum.
Decolamos por volta das 11h da noite, e a conversa rendeu. Quando falamos o suficiente sobre nossos trabalhos, ele disse que ainda tinha o sonho de escrever um livro e me pediu dicas. Era parte de seu plano completar sua lista de realizações na vida. Pude falar alguma coisa para ele, mas então creio que o Espírito Santo me deu uma ideia para elevar o nível da conversa. Já tínhamos criado algum vínculo, e senti que tinha abertura para perguntar-lhe:
— Carlos, e depois?
— E depois quando? – ele respondeu.
— Depois de tudo, desta vida, o que vai ser?
— Não sei, não penso muito nisso. O que seria? – devolveu de modo tranquilo, mas pensativo.
Seu tom de voz e expressão indicavam sério interesse. Ele queria ouvir mais. Assim, comecei a falar sobre o milagre da vida, de nossa origem planejada e da condição humana segundo a Bíblia. Em alguns momentos eu parava de falar, mas ele indicava que queria ouvir mais. Prossegui falando de Jesus, o que Ele fez, faz e fará. Foram momentos muito especiais. Em certos pontos, ele fazia perguntas, e eu procurava respondê-las. Estava escuro no avião. Uma delegação de atletas americanas estava ao nosso redor, e talvez não estivessem empolgadas com a nossa conversa, mas procurávamos respeitá-las, falando baixo.
O diálogo, com várias perguntas da parte dele, seguiu até as 2h30 da manhã, e concluímos que precisávamos parar. Continuamos no café da manhã no avião, e prometi para ele que enviaria um livro que escrevi (A Maior Esperança, o livro missionário de 2020). Foi esse livro que ele me pediu para reenviar o PDF ontem, em meio aos afazeres aqui em Saint Louis, o que fiz pouco antes de começar a escrever este artigo.
Essa é uma história singela, mas poderosa. Ela me faz pensar como a grandeza do reino de Deus é feita de pequenos gestos, conversas simples e oportunidades inesperadas. É como uma pequena fonte de água que, junto a outras pequenas fontes e riachos, se transforma em um rio caudaloso. São como os pequenos tijolos vermelhos que formam as paredes do America’s Center, onde nos reunimos aqui na Assembleia Geral. São pequenos, são de barro, mas a junção de milhares deles produz a imponente “arquitetura federal”, como é conhecida tradicionalmente nos Estados Unidos.
Nossa imensa arquitetura como igreja também é feita de pequenos tijolos, de pessoas como eu e você. As maiores instituições, como a universidade/hospital de Loma Linda e seus mais de 17 mil funcionários, também são feitas de pessoas. A grande saga do povo de Deus sempre foi feita de pequenas histórias individuais. É por meio de nossas experiências individuais que o evangelho é encarnado e compartilhado no dia a dia. É a soma de pequenas conversas sobre o Salvador que formam imensos rios de fé, como vemos na Assembleia Geral.
Na Assembleia, nos sentamos com pessoas de mais de 80 países. Nas mesas do almoço e em outros ambientes, converso com pessoas de lugares tão diversos como Samoa, Fiji, Madagascar, França, Coreia, Filipinas, México, Índia, Alemanha, de ilhas do Caribe, Ucrânia, Estados Unidos, Espanha, Argentina e de tantos outros lugares. Todos dizem que sentem um “gostinho do Céu”. Porém, todos só estamos aqui porque um dia alguém superou os receios e compartilhou sua fé.
Foi o caso dos ciclistas australianos, entre eles o presidente da Divisão, de uma União e de uma Associação, que saíram de Washington e viajaram mais de 2 mil quilômetros até Saint Louis. Eles passaram por pequenas cidades e vilas, distribuindo livros e oferecendo orações. Foi tocante ouvir que alguns deles fizeram isso pela primeira vez na vida e se sentiam tão felizes! Um desses ciclistas, o pastor Anthony Kent, disse que uma única visita de alguém ao seu tataravô, levando o livro O Grande Conflito, resultou em uma longa geração de pastores e mais de 30 mil pessoas convertidas por meio de sua família.
Isso me faz pensar que os maiores desafios da igreja não são coletivos, mas individuais. Precisamos olhar a igreja não como uma massa indefinida, um exército uniformizado, mas como pessoas individuais e seus diferentes contextos. Precisamos tomar tempo para olhá-las nos olhos e dar nosso testemunho pessoal. Foi assim desde o primeiro que disse “vem e vê” (Jo 1:46). Cristo deixava multidões de lado para dar atenção a uma só pessoa. Nesses momentos, o evangelho era exposto e aceito de maneira mais detalhada e consciente, beneficiando o mundo! O Pão da Vida Se multiplica sempre que é dividido.
O milagre da graça em mim se repete na vida de quem eu tenho o privilégio de abençoar com o evangelho. As pequenas sementes plantadas, os pequenos riachos que se somam, os humildes bocados do evangelho que compartilhamos formam o magnificente reino de que Ele trouxe ao mundo. Esse é o reino que celebramos na Assembleia Geral e pelo qual aguardamos. Pode parecer pequeno e não tão importante, mas guarda em si um incrível princípio vivificante e multiplicador.
Assim como a minha, a história de Carlos só começou.
* Nome fictício para preservar sua identidade.