Adventismo em português

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Desafios e oportunidades no cenário mundial

Diogo Cavalcanti

Não se pode menosprezar a audaciosa história de Portugal e do legado deixado pelos filhos dessa terra. Sendo uma das primeiras nações europeias a dar adeus ao feudalismo e se constituir como estado nacional, era a mais projetada geograficamente em direção ao oceano e propensa a desbravá-lo. A Escola de Sagres, com seus estudiosos, vários deles judeus, havia desenvolvido tecnologias que impulsionavam a navegação ultramarina, ou seja, partir rumo ao longínquo desconhecido.

Havia também uma expectativa profética e messiânica. Séculos antes, as antigas profecias de Joaquim de Fiore anteviam a chegada da “Era do Espírito” e a descoberta de uma nova terra. Mais tarde, João de Castro e Padre Vieira concluíram, a partir de Daniel 2, que Portugal deveria ser o quinto império, político e religioso (católico), após Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma! Por sua vez, a eterna sombra da Espanha motivava os portugueses a não esperar para ver. E a competição com outras nações, como a Holanda e a França, os estimulava a não desistir, ainda que estivessem em desvantagem. Atravessar oceanos rumo à América, ou ao redor do mundo como Vasco da Gama fez, eram façanhas tão grandes quanto chegar à Lua.

Sem desconsiderar todos os abusos horrendos cometidos ao longo da história de colonização, Portugal conseguiu fincar sua bandeira e sua influência ao redor do mundo. Estabeleceu colônias na costa da África, na recém-descoberta América e na Ásia. A distância e o tempo quebraram os laços coloniais, mas permaneceram a língua e aspectos da cultura que ainda conectam os falantes do português. Mesmo onde não se fala essa língua, há vestígios. No Japão, por exemplo, as palavras para vidro e pão vêm do português (pan e biidoro). Porém, foi no Brasil que inteligentemente conseguiram cobrir um espaço continental e estabelecer sua língua como uma referência mundial.

O português e o Brasil

Atualmente, a língua portuguesa é uma das mais faladas do mundo, com mais de 290 milhões de falantes. É o idioma oficial de Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. É a língua mais falada no hemisfério sul. No contexto adventista, é uma das línguas mais faladas, após o inglês e o espanhol. O Brasil, por concentrar a maioria absoluta de falantes do português, bem como por sua extensão territorial e dimensão econômica, acaba se tornando um polo desse idioma tanto na igreja como no mundo.

No adventismo, o Brasil detém a primeira moeda em importância após o dólar. Isso não se dá só pelo peso do real (a moeda brasileira) em si, mas pela quantidade de membros (1,8 milhão), que juntos impactam a maior parte do orçamento da Divisão Sul-Americana (DSA) e, consequentemente, pesa no orçamento da igreja mundial. Poucos anos antes da Assembleia Geral de 2015, por causa da valorização do real, a DSA despontava para se tornar a Divisão de maior contribuição financeira, em dólares, no mundo. Contudo, a onda de desvalorização do real, sentida especialmente a partir de 2012, derrubou essa tendência. Ainda assim, as doações nessa moeda têm um impacto significativo no orçamento global da igreja.

Atualmente, a língua portuguesa é uma das mais faladas do mundo, com mais de 290 milhões de falantes.

Ao lado da questão financeira, o desenvolvimento institucional da igreja no Brasil é um fator preponderante de projeção de sua influência. Para começar, seu número total de membros (cerca de 1,8 milhão) e o desenvolvimento do sistema mais avançado de secretaria da igreja, que é utilizado no mundo, bem como iniciativas de atualização dos registros têm conquistado respeito de líderes de outros países. A criação do Instituto Adventista de Tecnologia, o IATec, foi uma das iniciativas mais ousadas, oportunas e bem-sucedidas da igreja.

Sem dúvida, o crescimento e a integração denominacional foram umas das principais marcas da gestão do pastor Erton Köhler enquanto esteve à frente da DSA nos anos de 2008 a 2021. Sob sua atenção e presença frequentes nos eventos e mesas administrativas, a excelência institucional da igreja se expandiu em todas as frentes: eclesiástica, tecnológica, editorial e gráfica, hospitalar e de comunicação de massa (rádio, TV e internet).

Isso contribuiu ainda mais para que o Brasil se tornasse a caixa de ressonância e o polo do adventismo que fala português no mundo. Tornou-se referência em vários campos, exportando ideias a outras regiões, assim como a cultura adventista em projetos, vídeos, músicas, livros e lideranças. Sem dúvida, esses elementos foram decisivos para a escolha de brasileiros para a liderança da igreja mundial, entre eles, o próprio pastor Erton, como secretário executivo.

O desafio do inglês

A ascendência dessa liderança mundial que fala português e é brasileira representa uma enorme responsabilidade e novos desafios. Em primeiro lugar, é preciso vencer a barreira da língua. Como o Brasil é um país continental (maior do que os Estados Unidos, descontando o Alasca), a maioria de seus habitantes têm pouca interação com falantes de outras línguas. Assim, o aprendizado tardio do inglês se torna uma séria barreira para o compartilhamento de ideias com o mundo. Um dos casos mais destacados se vê na área acadêmica: os conteúdos tão elogiados por falantes de inglês em simpósios internacionais poderiam ter mais impacto se fossem publicados em inglês.

A ascendência dessa liderança mundial que fala português e é brasileira representa uma enorme responsabilidade e novos desafios. Em primeiro lugar, é preciso vencer a barreira da língua.

Mais do que o texto escrito, a língua falada requer não somente o domínio da gramática, mas uma atenção à pronúncia, para pelo menos se fazer compreensível. Por exemplo, ao querer dizer “humano”, muitos brasileiros falam “rúman”, uma pronúncia que pode ser confundida com woman, “mulher”, deixando os ouvintes confusos. O certo seria pronunciar algo como “ríuman”. Pequenos detalhes fazem muita diferença.

Participação parlamentar 

A falta de domínio da língua também se faz sentir no nível parlamentar da igreja, especialmente nas assembleias. Poucos brasileiros e sul-americanos se dirigem aos microfones, e isso está em profundo contraste com o que eles têm para oferecer. “Afinal, se fazem tantas coisas interessantes e boas, por que não falam?” – alguém poderia dizer. Esse vácuo tem sido notado, e colegas da igreja mundial afirmam constantemente que gostariam de ver os sul-americanos mais envolvidos nos debates. A África tem despontado nesse campo.

Talvez, a participação possa ser incentivada com mais abertura para o diálogo no nível ministerial, possibilitando a troca de ideias e oportunidades para a interação. Até mesmo algum ensino poderia ser ministrado sobre a participação parlamentar.  Isso poderia contribuir para que os delegados sul-americanos, sobretudo os pastores brasileiros, entendessem a importância de sua participação e compartilhamento de perspectivas de modo livre, polido, claro e responsável. Isso seria belo e enriquecedor para todos.

Liderança equilibrada

Outro desafio está na tensão vertical-horizontal no campo da liderança. A tradição federalista (no campo político) e congregacionalista (na religião) americana possibilita uma liberdade tão desejável quanto, por vezes, disfuncional. Isso se vê no campo político, em que os Estados Unidos são como um ônibus em que todos os passageiros têm um pedal de freio. Simplesmente o ônibus não anda! A desconfiança do governo é entranhada na cultura popular. Assim, há uma tendência cultural à atomização da igreja, desintegração institucional, pulverização de esforços, falta de foco no uso de recursos e a proliferação de ministérios de apoio e ministérios independentes/críticos.

Assim, sem dúvida é preciso “pôr a bola no chão”. Ou seja, encontrar uma forma de chegar a uma concertação, de fazer os instrumentos serem tocados em harmonia, e não cada um do seu jeito, produzindo algum barulho e nada de música. Porém, do ponto de vista estadunidense e europeu, a visão sul-americana pode parecer vertical demais, top-down, “de cima para baixo”, sem muito espaço para liberdade e variação.

Assim, a integração e o desenvolvimento da liderança mundial é algo delicado, que só pode ter sucesso se houver extrema sabedoria, humildade, respeito mútuo, diálogo e, acima de tudo, dependência de Deus. Qualquer tentativa insensível, precipitada ou impositiva pode gerar forte resistência e levar à perda de oportunidades. Tempo também é necessário. Se Jesus estiver à frente, as diferentes escolas de liderança terão algo a aprender umas com as outras e crescerão juntas.

A igreja de fala portuguesa, especialmente do Brasil, tem muito a contribuir para a igreja mundial e igualmente aprender. Seja na visão estratégica, seja no desenvolvimento institucional ou no fervor missionário, Deus nos chama a servir. Se Ele concedeu bênçãos a este movimento, isso também não significa que devamos assumir uma posição de autossuficiência ou de indiferença em relação ao mundo. Precisamos nos dispor a servir, a atuar onde a igreja mais necessita. Como igreja, também precisamos orar e apoiar nossos líderes, contribuindo da melhor forma em nosso raio de influência.

Que o Espírito Santo guie os próximos passos desta igreja diversificada e as histórias inspiradoras que ouviremos na próxima Assembleia Geral.

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2 comments

  1. Raphael Romero Barbosa 21 julho, 2022 t 05:49 Responder

    “Assim, o aprendizado tardio do português se torna uma séria barreira para o compartilhamento de ideias com o mundo. Um dos casos mais destacados se vê na área acadêmica: os conteúdos tão elogiados por falantes de inglês em simpósios internacionais poderiam ser mais impacto se fossem publicados em inglês.”
    Não seria “o aprendizado tardio do inglês” e “se fossem publicados em português “? Para mim este parágrafo ficou confuso.

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