Como estreitar laços espirituais em uma época de grande desconfiança?
Jolivê R. Chaves
Estudos mostram que os jovens são, entre as gerações, os mais suscetíveis às mudanças sociais (Pew Research Center, "Nones on the Rise", 2012). Sendo a religião um fenômeno social, as mudanças que a sociedade enfrenta refletem sobre a religião e afetam diretamente as novas gerações. Nessa perspectiva, os Nones, sigla que denomina aqueles que dizem não ter filiação religiosa, incluindo uma minoria de ateus e agnósticos, e uma maioria que diz ser espiritual, mas não religiosa, são mais representados entre os jovens. No Brasil, esses são comumente conhecidos como desigrejados.
Nessa relação entre os desigrejados e as novas gerações, o Pew Research Center demonstra que, enquanto apenas 10% da população americana acima de 65 anos se diz None, entre os menores de 30 anos o grupo representa 32%, subindo para 36% quando apenas os nascidos entre 1990 e 1996 são contados (Pew Research Center, "Millennials increasingly are driving growth of nones", 2015).
Em solo brasileiro, a maior representação dos desigrejados está entre as novas gerações (Regina Novaes, “Os jovens sem religião: Ventos secularizantes, espírito de época e novos sincretismos, Estudos Avançados, v. 18, 2004), tornando o testemunho para esse grupo um grande desafio, dada à sua maneira peculiar de lidar com a religiosidade. Não foi por acaso que, na assembleia mundial de St. Louis, a igreja decidiu incluir um capítulo sobre discipulado no Manual da Igreja.
Três áreas representam um desafio particular para a relação testemunhal com as novas gerações, a abordagem sobre Deus, a Bíblia e a igreja. A maioria dos Nones rejeita a religião, mas não Deus. No entanto, poucos deles acreditam no Deus bíblico. Nos EUA, 53% acreditam em Deus como uma energia ou força espiritual, enquanto apenas 17% acreditam em Deus conforme descrito na Bíblia (Pew Research Center, "When Americans Say They Believe in God, What Do They Mean?", 2018).
Um Senhor pessoal que ama
Assim, a abordagem sobre Deus para as novas gerações deve apontar para o caráter amoroso, pessoal e poderoso do Senhor. Um começo recomendável é a ênfase na manifestação do poder salvador de Deus, lembrando que os valores contemporâneos colocam mais peso na experiência pessoal do que no conteúdo da doutrina.
Esse atributo, o poder salvífico, pode se manifestar de diversas formas, como cura, resposta à oração, libertação do poder do inimigo, proteção e vitória sobre os vícios, entre outras. Contudo, deve-se manter a centralidade do evangelho e da cruz de Cristo, nunca vendo o milagre como um fim em si mesmo. Como nos casos de Naamã (2Rs 5:1-19), a viúva de Sarepta (1Rs 17:8-24) e Raabe (Js 2:1-21), experimentar o poder salvador de Deus pode ser um fator decisivo para que as novas gerações reconheçam Seu caráter pessoal e poderoso.
A Bíblia e a manifestação de Deus
Uma segunda forma de abordar o Senhor às novas gerações pode ser pelo estudo da manifestação da Sua "energia" na Bíblia.
A maioria do grupo vê Deus como uma energia, e a abordagem bíblica do tema pode ser de interesse para eles. O termo e seus derivados aparecem 34 vezes no NT, como substantivo, verbo ou adjetivo, e apontam para a ação divina na execução do plano da salvação, mostrando que o Deus bíblico é uma Pessoa e não apenas uma força. O tema indica a dimensão transpessoal de Deus (Christian A. Schwarz, God’s Energy: Reclaiming a New Testament Reality, Energy Trilogy 1 [NCD Media, 2020]).
Perfeita revelação
Uma terceira forma de abordar Deus para as novas gerações é a demonstração de Jesus como a mais perfeita revelação do Pai (Jo 10:30; 14:9; Hb 1:3). Os atributos de Jesus, como humildade, autoridade, sacrifício em favor da humanidade, poder e justiça, ajudam os mais novos a conhecer o caráter pessoal de Deus.
A abordagem sobre a Bíblia com as novas gerações também é um desafio, pois, sob a influência da pós-modernidade, o grupo tende a relativizar o conteúdo da fé e a rejeitar o conceito de verdade absoluta, reduzindo-a à esfera pessoal. Dessa maneira, os temas bíblicos podem ser apresentados a eles através de histórias e não como teologia sistemática, com conteúdo lógico e cognitivo.
Os temas também devem atender às necessidades deles por meio de assuntos pertinentes e contextualizados (At 10), seguindo o princípio da funcionalidade, de modo que vejam um significado prático nos conceitos estudados. O propósito não é reduzir o conteúdo, mas mudar a forma de apresentá-lo.
Os temas bíblicos podem ser apresentados por meio de histórias e não como teologia sistemática, com conteúdo lógico e cognitivo.
Finalmente, o desafio de abordar o papel da igreja para as novas gerações é enorme, pois a maioria dos chamados desigrejados está entre elas, rejeitando as instituições religiosas e as enxergando como um instrumento de poder e riqueza. Nessa perspectiva, a abordagem missiológica do grupo pode seguir o modelo de "evangelismo sal", que torna o ambiente melhor com sua presença, em lugar do modelo de "evangelismo fortaleza", bem como o princípio dos pequenos grupos relacionais, e a aproximação com a identidade cristã; convivência com cristãos maduros espiritualmente e que revelem o caráter de Cristo (Beth Seversen, Not Done Yet: Reaching and Keeping Unchurched Emerging Adults [InterVarsity Press, 2020], p. 22–23).
Todas essas abordagens não substituem o papel da congregação e, no devido tempo, quando superarem seus preconceitos, os Nones se juntarão ao culto coletivo fornecido pela igreja.
JOLIVÊ R. CHAVES é Ph.D. em Teologia e diretor do seminário de Teologia da FADBA