Missão do começo ao fim

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Conheça as decisões e os bastidores da 61ª Assembleia da Igreja Adventista, marcada por continuidade, ênfase na missão e celebração dos grandes feitos de Deus

Marcos De Benedicto

Cada assembleia da Associação Geral é única e tem sua própria identidade, um DNA que vem dos períodos anteriores e determina a agenda e o tom dos debates. A primeira assembleia, em maio de 1863, na cidade de Battle Creek, com 20 delegados, foi marcada pela organização da igreja. A de 1888, em Minneapolis, ficou na história pela tensão entre os legalistas e os defensores da justificação pela fé. A de 1901, em Battle Creek, registrou a reorganização da estrutura da igreja. A de 1909, em Washington, foi a última com a presença de Ellen White e a primeira com a participação de delegados de todos os principais continentes. A de 1975, em Viena, teve o diferencial de ocorrer fora dos Estados Unidos. A de 1980, em Dallas, testemunhou a aprovação das 27 crenças fundamentais (a partir de 2005, 28 crenças). A de 2015, em San Antonio, foi marcada pelos embates sobre a possibilidade de cada Divisão decidir ordenar mulheres ao ministério. E o evento atual?

A assembleia de 2022, em St. Louis, foi caracterizada pela ausência quase total de público, o uso do sistema híbrido de participação (presencial e pela internet), a plena votação eletrônica, a continuidade nos mandatos e uma acentuada ênfase na missão. No entanto, houve decisões importantes.

A seguir, vamos conhecer um pouco mais em detalhe esses e outros aspectos, bem como seus bastidores. É um pequeno retrato de uma igreja, muitas línguas, uma missão, um Senhor.

EVENTO ATÍPICO

A 61ª Assembleia da Associação Geral deveria ter ocorrido em 2020 em Indianápolis, no estado de Indiana, que em 1990 sediou um desses eventos, mas acabou sendo postergada duas vezes por causa da pandemia. Os crachás, que já estavam prontos, indicaram o anacronismo: Indianapolis 2020. Mas o adiamento não foi inédito. Essa foi a quinta vez que a assembleia precisou ser adiada. Isso ocorreu, por exemplo, durante as duas guerras mundiais e a grande depressão econômica em 1929 e início dos anos 1930 (para saber mais, clique aqui).

A mudança de cidade foi por causa de disponibilidade e fatores financeiros, uma vez que St. Louis minimizou os custos. O evento ocorreu no America’s Center Convention Complex, cujo Dome comporta 67 mil pessoas. Em vez dos 10 ou 11 dias costumeiros, durou seis dias (6 a 11 de junho). St. Louis, que já hospedou uma assembleia em 2005 e sediará a de 2025, é uma cidade com aproximadamente 300 mil habitantes, mas sua área urbana ultrapassa 2,2 milhões. Fundada em 1764, considerada a porta de entrada para o Meio-Oeste norte-americano, a cidade histórica está localizada às margens do rio Mississippi, na divisa entre o Missouri e Illinois. A região era um importante centro da cultura nativa, com muitos templos dos dois lados do rio.

A glória da cidade já foi maior. Em 1904, ela sediou a Feira Mundial e a primeira Olimpíada fora da Europa. Na primeira metade do século 20, ela se tornou o destino de um grande contingente de migrantes afro-americanos que deixaram o Sul do país em busca de melhores condições de vida. Essa característica cultural é um lembrete de que a igreja precisa alcançar pessoas de todas as tribos e nações. Aliás, o tema do evento, “Jesus Está Voltando. Envolva-se!”, retratou bem nossa esperança e o dever de levar o evangelho ao mundo.

O Gateway Arch, com 200 metros de altura, concluído em 1965, homenageia a expansão para o Oeste no século 19, em especial o espírito dos pioneiros norte-americanos que queriam conquistar novas fronteiras. Nesse sentido, a cidade prefigura o espírito do adventismo, com sua ênfase em um novo mundo e o chamado ao envolvimento na missão. O arco pode simbolizar um “portal para o futuro”. Ter raízes firmes é fundamental para uma igreja. Porém, na condição de um movimento, o adventismo deve considerar sua natureza missional migrante, indo em direção ao futuro e aos confins da Terra, com seus desafios e recompensas. Permanecer no presente, fixo no espaço e no tempo, é um convite à estagnação.

Independentemente do lado histórico, a assembleia de St. Louis foi um momento de reflexão e inquietação no ar, um desejo de mudanças que não foram consumadas, mas devem vir no futuro. Conversando com alguns delegados, percebia-se a conscientização de que algo precisa ser feito para mobilizar novamente a igreja, especialmente na América do Norte e na Europa. A descoberta do caminho virá com o tempo.

Desde a assembleia de 2015, muita coisa mudou no mundo, castigado com a pandemia que matou mais de 6,3 milhões de pessoas. As corporações e a igreja descobriram o potencial da tecnologia para realizar reuniões a distância. Por causa da nova situação, o evento foi híbrido: dos 2.713 delegados, 688 se registraram para participar remotamente pelo Zoom, ao contrário de 2015, em que os 2.617 delegados deveriam estar presentes. Um desses delegados remotos foi o pastor George Brown, 98 anos de idade, ­ex-presidente da Divisão ­Interamericana, com 12 assembleias no currículo! Ele acompanhou o evento e votou a partir de sua residência na Flórida. A plataforma usada, ElectionBuddy, tem uma série de recursos, como anonimato total, customização das cédulas, contabilização imediata do resultado e sistema de auditoria. A versão profissional permite a participação de até 100 mil votantes. Mas seria a tecnologia a solução?

Em certo sentido, sim. A tecnologia encurta distâncias e barateia os custos; dispensa viagens, aluguéis de carros e hotéis. Em outro sentido, não. Ela não replica a vibração do público. Se Israel tinha um ciclo de sete festas anuais, deveria o adventismo abrir mão de um grande festival a cada cinco anos? St. Louis deixou claro que o povo faz falta na assembleia. Se imaginarmos a igreja como uma figura geométrica em formato de triângulo, com Deus no ápice, a liderança de um lado e o povo do outro, podemos dizer que a ausência de um elemento desequilibra o equilátero. Sem Deus, a assembleia perde o significado. Sem a liderança, a convenção perde o rumo. Sem gente, o evento perde o brilho. A sessão precisa de todos. Acima de tudo, precisa do poder do Espírito, que cria vida.

No entanto, há uma reflexão a se fazer: o público pequeno, mesmo no sábado, foi devido aos reflexos da pandemia e à transmissão ao vivo ou também ao desinteresse? Estamos perdendo a conexão com o povo e a capacidade de mobilizar a igreja? Onde estavam os norte-americanos das cidades próximas? A sintonia entre a sede mundial e a comunidade local diminuiu? A agenda da igreja ainda faz brilhar nossos olhos? Por que tão poucos teólogos? Onde estavam os jovens? Se slogans bonitos como “Eu Vou” e projetos maravilhosos como “Um Ano em Missão” engajam parte da juventude, como motivar a grande parcela que não é sensibilizada por programas assim? E o que dizer dos que abandonam a igreja? Seriam as grandes celebrações parte da solução?

O papel da igreja é levar o evangelho aos confins da Terra, espalhar o amor de Deus, ser o sal da Terra, iluminar um mundo em trevas, nutrir os fiéis. Mas como? O mundo está cada vez mais complexo e sombrio. As agendas do pecado se multiplicaram. O ceticismo cresceu. A desilusão aumentou. Cumprir a tarefa é um desafio. E falar sempre é mais fácil do que fazer. Nesse contexto, em que sentido uma assembleia mundial impacta o caminho da igreja?

ESCOLHA DE LÍDERES

Uma das atribuições da assembleia mundial é escolher os líderes da Associação Geral e das Divisões. A Comissão de Nomeações, composta por 268 membros, seguiu regras predefinidas e se baseou na proporção de membros. Alguns gostam de participar dela, outros nem tanto. Clewton Márcio Alves Barbosa, pastor da Igreja Central de Anápolis (GO), estreou na assembleia e na comissão, considerando isso uma experiência única. “Foi um grande privilégio e um aprendizado para a vida”, reconheceu. Por sinal, 63% dos membros da Comissão de Nomeações atuaram pela primeira vez na função e 81% são empregados da denominação. Embora o processo de escolha dos participantes seja legítimo, alguns gostariam de ver uma representatividade maior, incluindo mais mulheres e jovens.

Trabalhando em ritmo intenso, a comissão indicou quase 140 nomes para diversas posições. Ainda no dia 6 à noite, o primeiro relatório da comissão propôs um nome para presidente: o pastor Ted N. C. Wilson, 72 anos, que desde 2010 ocupa a função. Ele foi eleito com 74,9% dos votos do plenário (leia mais aqui). Espiritual, atencioso, simples, conservador, determinado, ele defende algumas bandeiras bem conhecidas, como a identidade do povo remanescente, a importância do dom de ­profecia manifestado em Ellen White, reavivamento e reforma e envolvimento total dos membros na missão.

Em uma entrevista à Adventist Review, ele reforçou a intenção de redobrar os esforços nessas áreas. Todas elas são fundamentais. Como não valorizar o reavivamento e a reforma, por exemplo? Em 22 de março de 1887, Ellen White escreveu na Review and Herald uma de suas frases mais citadas: “Um reavivamento da verdadeira piedade entre nós é a maior e a mais urgente de nossas necessidades.” Em 25 de fevereiro de 1902, no mesmo periódico, ela definiu os termos: “Reavivamento significa renovação da vida espiritual, um avivamento das faculdades da mente e do coração, uma ressurreição da morte espiritual. Reforma significa uma reorganização, uma mudança nas ideias e teorias, hábitos e práticas.” Quem ousaria discordar? A questão é se a igreja tem respondido como deveria. Se não tem, qual seria a estratégia mais eficaz para motivar os membros?

No dia seguinte, 7 de junho, outro relatório propôs os nomes dos pastores Erton Köhler (brasileiro) e Paul Douglas (jamaicano, filho de cubanos), respectivamente, para secretário executivo e tesoureiro. Ambos já vinham ocupando essas funções desde abril do ano passado e foram votados para continuar. Dos sete vice-­presidentes, dois são novos no cargo: Audrey Andersson, da Divisão Transeuropeia, e Maurice Valentine, da Divisão Norte-Americana. Os demais são Abner De Los Santos (do México), Artur Stele (Cazaquistão), Geoffrey Mbwana (Tanzânia), Guillermo Biaggi (Argentina) e Thomas Lemon (Estados Unidos). Em relação a 2015, aumentou uma posição.

A maioria dos departamentais da sede mundial continuou. Houve mudanças de seis dos 16 titulares dos 15 departamentos (é que o Departamento da Família tem um casal de líderes). Alguns já atuavam na Associação Geral e foram remanejados. Uma das novidades foi o diretor de jovens da Associação Geral: o sul-africano Busi Khumalo, dedicado pela mãe ao serviço de Deus antes do nascimento e que, na fase de menino, já pregava no quintal de sua casa. Porém, há alguns anos, ele prometeu a Deus e à esposa que jamais aceitaria o convite para ser líder de jovens. Achava que não tinha qualificação para isso. Deus resolveu mostrar que ele não sabia o que estava dizendo. Em 2004, enquanto era pastor distrital, Busi foi nomeado para a função de líder de jovens da União Sul-Africana. A partir de 2010, passou a ocupar a mesma função na Divisão África-­Oceano Índico. A eleição para o departamento na sede mundial o deixou perplexo. “Minha história é uma indicação clara de que Deus pode usar qualquer um”, admitiu com humildade.

As cinco mudanças de presidentes de Divisões foram a maior novidade no campo das nomeações. No caso da sede sul-americana, os líderes foram eleitos no dia 8 de junho para um novo período: pastores Stanley Arco (presidente), Edward Heidinger (secretário executivo) e Marlon Lopes (tesoureiro). Você pode conferir a lista completa de oficiais no site especial da cobertura da 61ª assembleia criado pela Revista Adventista.

Pessoas de diferentes lugares reagiram de maneiras diferentes às votações. Afinal, a igreja tem sua própria geopolítica cultural. A julgar pelos comentários, a América do Norte, a Europa e partes da Ásia estavam mais abertas a mudanças. Já a África, a América Central e a América do Sul se mostraram mais favoráveis à continuidade.

Em alguns momentos, os delegados pediram uma representatividade maior nas posições de liderança ou mesmo participação na assembleia. O empresário gaúcho Moisés Fernando da Silva falou em favor de uma presença maior de jovens. Outro delegado questionou por que uma mulher pode ser vice-­presidente, mas não pode ser presidente de Associação. As pessoas estão mais argumentadoras. O lado bom é a liberdade de falar, além da transparência.

Em geral, as pessoas veem mudanças organizacionais e de liderança com desconfiança e um fator de ruptura, insegurança, ansiedade e estresse. Cada uma reage de um jeito. Os conservadores aceitam a estrutura, os sistemas e processos; os originadores preferem questioná-los e apostar em nova visão e diferentes possibilidades; os pragmáticos pensam nos resultados e valorizam o que funciona. Mudanças no nível gerencial ou operacional podem ser mais fáceis do que no nível de liderança. Mas todas são inevitáveis. A questão é determinar o melhor momento para mudar. Quando ocorrem mudanças súbitas, os envolvidos costumam vivenciar um ciclo que inclui choque, negação, frustração, depressão, experimento, decisão e integração. Para minimizar isso, a comunicação tem que ser rápida, transparente e eficaz.

Por outro lado, a ausência de mudanças pode criar um senso de rotina, falta de criatividade e pouca inovação. Pelos exemplos bíblicos de Abraão e Moisés, entre outros, percebemos que Deus não tem problema com a idade. A questão é a mesmice asfixiante. É preciso renovar a visão, comunicar o propósito, adotar novos métodos, elevar as expectativas, despertar a ­paixão, alimentar a energia, inspirar a criatividade, evidenciar a capacidade de fazer cada vez melhor.

PARTICIPAÇÃO FEMININA

Foto: Tor Tjeransen / Adventist Media Exchange (CC BY 4.0)

Em St. Louis, a educadora Ella Simons se despediu do cargo de vice-presidente. Eleita em 2005, ela foi a primeira mulher a ocupar a função. Outras três mulheres já haviam sido tesoureiras nos tempos iniciais do movimento. Na época, quando Delbert Baker, secretário da Comissão de Nomeações, anunciou o nome de Ella entre os nove vices, muitos participantes perceberam que se tratava de um momento histórico. O então presidente, Jan Paulsen, explicou que havia sido indagado muitas vezes, em diferentes contextos, se não haveria lugar nos altos escalões da igreja para mulheres qualificadas e talentosas. O dia havia chegado (leia mais aqui).

Com a decisão de Ella Simmons de se aposentar, a assembleia elegeu outra mulher como vice-presidente: Audrey Andersson, mestre em Ministério Pastoral e pastora comissionada, que atuou durante 11 anos como secretária executiva na Divisão Transeuropeia, com sede em St. Albans, na Inglaterra. Natural da Irlanda, ela cresceu num lar pastoral. “A igreja é minha vida”, comentou. Apesar da conversa prévia sobre essa possibilidade, ela encarou a escolha como uma surpresa. Entre os desafios da igreja hoje, Audrey vê a necessidade de descobrir novas maneiras de alcançar os não alcançados e como usar a tecnologia para potencializar a pregação.

Foto: Tor Tjeransen / Adventist Media Exchange (CC BY 4.0)

Audrey já teve sua parcela de provações na vida, o que testou sua fé em dois momentos cruciais. Em abril de 2005, sua casa foi queimada totalmente, deixando a família com as memórias e nada mais. Em outubro de 2016, o esposo morreu em um acidente relacionado ao trabalho. “Quando a vida desmorona sobre você, o que você faz?”, ela refletiu em um artigo na revista Ministry em maio de 2018 (p. 13). “Os eventos são tão traumáticos que o mundo inteiro parece encolher e ser encapsulado em um único momento. A vida parece um buraco negro, um desses objetos misteriosos no espaço tão densos que sua gravidade não permite que nada, nem mesmo a luz, escape.” Mas ela descobriu que a graça, o amor e a misericórdia de Deus não têm limites. Certamente, ela precisará dessa mesma graça para os novos desafios.

Talvez um desejo de permanência em meio a mudanças rápidas no mundo, quem sabe um reflexo da continuidade nos altos escalões da igreja, possivelmente o raciocínio de que serão apenas três anos até 2025, certamente o fato de que muitos líderes e departamentais de Divisões já haviam sido escolhidos há pouco tempo, ou tudo isso combinado levou a um previsível ritual de repetição de nomes, especialmente nas diversas áreas da sede mundial; porém, a assembleia também teve decisões importantes

CRESCIMENTO E MISSÃO

A assembleia começou e terminou com missão. Logo no início, no contexto das tecnicalidades de abertura, o presidente da mesa, Artur Stele, disse: “Iniciaremos esta reunião com a missão e encerraremos com a missão.” E acrescentou que “a missão é o coração desta igreja”. “Estamos abrindo a assembleia com a leitura da declaração de missão para ressaltar que esta é a nossa prioridade”, comentou o secretário da Associação Geral, pastor Erton Köhler.

Na terça de manhã, a Secretaria fez um vigoroso relatório sobre o avanço da igreja e o envolvimento missionário ao redor do mundo. O crescimento do adventismo continua forte. Com a equipe na plataforma, o pastor Köhler destacou que a organização é serva da missão, e temos que avaliar se a estrutura está potencializando ou enfraquecendo a missão. “Missão, missão, missão”, incentivou. Mas estamos bem ou mal?

Em comparação com outras denominações, nosso crescimento é sólido. Por exemplo, os mórmons, cuja origem remonta à década de 1830, e as testemunhas de Jeová, que surgiram nos anos 1870, têm menos membros do que os adventistas. Em 1920, os mórmons somavam 525.987 membros, as testemunhas tinham 5.900 e os adventistas somavam 185.450. Hoje, cerca de cem anos depois, os mórmons têm 16,8 milhões, as testemunhas têm 8,6 milhões e os adventistas têm aproximadamente 22 milhões. Enquanto os mórmons têm uma forte presença em seu país de origem (6,7 milhões), o adventismo se tornou mais global e multiétnico.

Apesar dos ganhos, a igreja tem uma grande preocupação com as perdas. Nos últimos sete anos (2015 a 2022), 8.548.426 pessoas foram batizadas. Em 2021, 1 milhão de pessoas desceram às águas. Porém, para cada 100 pessoas que se uniram ao adventismo no período, em média 53 abandonaram a igreja. O que fazer para estancar a evasão é a pergunta que vale a eternidade. Enquanto a liderança avalia estratégias para conservar os membros, tendo proposto uma nova seção no Manual da Igreja sobre “auditoria redentora” e um novo capítulo sobre discipulado, busca também novas estratégias para cumprir a missão. A ideia é fazer uma reorganização da área missionária.

Na entrevista coletiva com o presidente, o secretário e o tesoureiro da sede mundial, os três enfatizaram a importância de investir na missão, incluindo a secularizada Europa. “A missão une as pessoas, o que ajuda a esquecer os problemas”, disse o pastor Ted Wilson. “Não devemos afastar as pessoas de nosso círculo de influência por causa do estilo de vida, mas precisamos conservar a fidelidade à Palavra”, acrescentou. “Missão é um milagre”, sublinhou o pastor Erton Köhler. “Se Deus quiser abrir portas na Europa, isso poderá ocorrer de uma hora para a outra, e as coisas vão acontecer.” Para o secretário executivo, “missão é praticamente tudo que sonhamos para a igreja”. Já o tesoureiro, Paul Douglas, acha que uma forma de canalizar a energia dos jovens para a missão é dar espaço para a atuação deles, além de agir com transparência.

Ao redor do globo, há 367 famílias de missionários. Somando-se cônjuges e filhos, 1.210 pessoas servem a Deus em outras terras. As três Divisões que mais têm enviado famílias missionárias são a Norte-Americana (103 famílias), a Sul-Americana (70) e a do Pacífico Sul-Asiático (47). A ideia é investir mais em missionários na linha de frente em campos sem a presença adventista.

Para dar sustentação à missão, a igreja está organizada em sedes menores. No momento, há 13 Divisões, 138 Uniões divididas em quatro categorias relacionadas ao status e à capacidade de sustento próprio, 418 Associações e 313 Missões. Em março, essas entidades abrangiam 169.268 congregações (95.889 igrejas e 73.379 grupos). Do total de Uniões, dez foram votadas no dia 6 de junho. Os 20.924 pastores ordenados são parte de um grupo de 322.120 funcionários da igreja em tempo integral ou parcial.

A maior Divisão em termos de números é a Interamericana. Quando Israel Leito, líder que ficou mais tempo na presidência de uma Divisão (quase 24 anos), assumiu a função, a igreja na região tinha 1,5 milhão de membros. Hoje tem quase 4 milhões. Porém, ele atribui a virada no crescimento ao trabalho de Bender Archbold, duas gestões antes dele. Na época, a igreja tinha menos de 300 mil membros no território. Com forte ênfase em evangelismo, o número quase dobrou. Depois, Leito e sua equipe decidiram ousar ainda mais. Os três evangelistas de tempo integral em três línguas foram “demitidos”, recebendo outras funções, para que todos os membros se tornassem evangelistas. Em vez do evangelista “estrela”, a igreja faria o evangelismo. Deu certo.

Tudo isso demanda recursos, mas a igreja tem respondido bem. No relatório da Tesouraria, Paul Douglas fez um balanço: “Quando a Associação Geral foi organizada em 1863, havia 125 igrejas e um dízimo total de 8 mil dólares. Quase 160 anos depois, com mais de 90 mil igrejas, os dados mostram aproximadamente 2,7 bilhões em dízimo, 1 bilhão em ofertas nas igrejas locais e 81 milhões em ofertas para as missões mundiais. Esse é o dinheiro de Deus que Ele nos confiou para ser usado na missão.”

O dízimo mundial teve um modesto crescimento de 6% em comparação com o período anterior (2010-2015), que, por sua vez, havia tido um crescimento de 32% em relação ao período prévio (2005-2010). As divisões Norte-Americana e Sul-­Americana lideram as estatísticas, respectivamente, com 43,8% e 18,9% do dízimo e 25,2% e 23% das ofertas missionárias. No ­quinquênio, os vários níveis da igreja patrocinaram 5.467 projetos da Missão Global, totalizando 50,7 milhões de dólares. A Associação Geral se responsabilizou por 41% desse valor.

DEBATES E DOCUMENTOS

Os debates nas sessões de negócios são um capítulo à parte. Às vezes, um detalhe leva a uma série de observações, com idas e vindas, até que o voto resolva a questão. Por exemplo, logo no início um delegado da Associação Geral, Jonathan Zirkle, quis incluir o tema da vacina na agenda. A liderança da igreja não desejava discutir o assunto porque já temos documentos sobre isso. Com apoio vindo pela internet, a possível inclusão do tema na agenda passou a ser discutida. O pastor Ted ­Wilson fez um apelo para que o item não entrasse na pauta, já que não faz parte da constituição da igreja, nem dos regulamentos, nem do manual, nem das crenças fundamentais. Por fim, a proposta foi derrotada por 1.579 votos (88,6%) a 203 (11,4%).

Se a pessoa não conhecer o regimento, as Regras de Ordem podem se tornar confusas. Com sua voz grave, sempre conectado aos dispositivos eletrônicos, o parlamentar Todd ­McFarland assessorou os presidentes das sessões, a fim de que tudo saísse conforme as regras. O dirigente não deve seguir seu próprio entendimento, mas os regulamentos, que são complexos. Muitos pastores, sem falar nos membros, não os conhecem.

“A estrutura da Igreja Adventista do Sétimo Dia é extremamente complicada”, reconheceu J. R. Spangler, antigo editor da revista Ministry, ao relatar os eventos de um Concílio Anual nos anos 1980 (Ministry, dezembro de 1985, p. 20). “Depois de 31 anos de trabalho no nível da Associação Geral, eu ainda estou aprendendo.” Uau!

Se os regulamentos geram dúvidas, os assuntos ainda mais. Muitas vezes, até companheiros de escritório ou parentes discordam entre si. Um exemplo histórico ajudará a contextualizar. Na assembleia de 1985, segundo relato da revista ­Ministry (dezembro de 1985, p. 16), o pastor Ted Wilson, que servia na Divisão África-Oceano Índico, se levantou para falar contra uma proposta de unificar certos departamentos da igreja, pois na África o sistema em vigor funcionava bem e a junção poderia reduzir a criatividade.

Minutos depois, seu pai e presidente mundial da igreja, pastor Neal C. Wilson, disse: “Caros delegados, vocês podem ver que meu filho e eu nem sempre concordamos. Ele está seguindo uma tradição dos Wilsons. Meu pai e eu também discordamos às vezes.” E acrescentou: “No entanto, o tempo mostra que o pai geralmente está certo.” O auditório foi ao delírio.

No dia 6, uma proposta de emenda ao Manual da Igreja sobre a ordenação de anciãos gerou uma discussão de mais de 75 minutos. Segundo a nova redação, “quando uma igreja em uma reunião de negócios vota a eleição de novos ­anciãos, ela também autoriza a ordenação deles”. O impasse tinha que ver com a ordenação de anciãs, que havia sido votada num Concílio Anual da Associação Geral, mas não pela assembleia. Relembrando esse detalhe, o historiador Gerard ­Damsteegt fez uma moção para enviar a emenda original de volta ao comitê do manual, mas ela foi derrotada (56,1% a 43,9%). No fim, a emenda original foi aprovada (75,7% a favor, 24,3% contra). Com sua ordenação, os anciãos e as anciãs também se qualificam para o diaconato.

Entre as várias mudanças do Manual da Igreja, foi aprovado o cargo de coordenador do Espírito de Profecia na igreja local, o qual será responsável por “promover a importância e o uso correto dos escritos do Espírito de Profecia, em colaboração com o coordenador do Ministério de Publicações”.

Com forte apoio, também foi aprovada a inclusão de novos parágrafos no manual destacando a importância da conscientização de que os surdos têm uma cultura própria e singular. Segundo o voto tomado, a igreja local deve indicar um diretor para o Ministério das Possibilidades, além de incentivar a criação de uma comissão para ajudar as pessoas com necessidades especiais a se conectarem com as outras. Muitos delegados, incluindo Jeffrey Jordan, pastor surdo que usou um intérprete da linguagem de sinais, foram ao microfone para elogiar a iniciativa. A proposta foi aprovada com 99,6% dos votos.

A agenda registrava ainda uma resolução sobre a Bíblia como “a Palavra profética de Deus”. Depois de um longo debate, seguindo pontos de ordem e moções, o que testou a paciência e a memória do chairman e do público, finalmente a declaração foi aprovada por 1.249 votos (88,8%) a 157 (11,2%) na tarde de 9 de junho. “Expressamos nossa profunda gratidão ao Senhor porque nas Escrituras encontramos esperança para viver em meio aos desafios do mundo”, diz o documento em seu parágrafo final (leia a íntegra aqui).

Uma declaração de confiança nos escritos de Ellen White foi igualmente motivo de debate, mas passou com tranquilidade (84,9% dos votos) no mesmo dia. O documento finaliza dizendo: “O estudo desses escritos é um meio poderoso para fortalecer e preparar o povo de Deus para enfrentar os desafios destes últimos dias, à medida que nos aproximamos do breve retorno de Cristo.”

Os documentos em si não têm nada de diferente do que a igreja já ensina, mas alguns delegados têm sua própria lógica. Se não temos uma declaração sobre Jesus, alguns raciocinaram, por que votar uma sobre a Bíblia?

MENSAGENS

As pregações e os momentos de oração também foram inspiradores. Na abertura, no dia 6, Dwight Nelson, pastor titular da igreja da Universidade Andrews há quase 40 anos (desde 1983), enfatizou: “Precisamos de um novo batismo do Espírito Santo hoje, hoje e hoje, até que Jesus venha.”

Os pastores Mark Finley e Barry Black completaram a ênfase na importância de buscarmos juntos o Espírito Santo na oração, na música e na Palavra. Para Finley, ler o livro de Atos durante um verão, tentando memorizar o máximo possível do texto, foi uma experiência transformadora. Uma coisa que o impressionou foi a impossibilidade da missão que Jesus deu aos discípulos em Atos 1, o que se tornaria possível somente pelo poder do Espírito Santo. Nos anos 30, a média era de 1 cristão para 500 mil habitantes do Império Romano, ao passo que, no fim do 1º século, a estimativa era de 1 para cada 60 pessoas!

Na segunda à noite, o doutor Timothy Standish, pesquisador do Instituto de Pesquisa em Geociência, defendeu que “a história da ciência é a história dos erros de brilhantes cientistas”, pois “a ciência não oferece uma forma de saber se os entendimentos científicos atuais estão corretos, até descobrirmos que eles estão errados à luz de novas informações”. Já a Bíblia serve de padrão imutável para testar todas as teorias. “Eu creio porque, sem a crença na Palavra de Deus, eu seria cego”, confidenciou.

Outros devocionais inspiradores se seguiram de manhã e à noite. Na quinta de manhã, 9 de junho, Charissa Torossian falou sobre Maria Madalena. Amamos a Jesus, ela enfatizou, mas Maria foi além. Seu presente para o Salvador, perfeito para um Rei, custou uma pequena fortuna. Para colocar as coisas em perspectiva, a pregadora fez uma comparação: “Quando Jesus alimentou os 5 mil, eram 5 mil homens, suas esposas e seus filhos. Filipe disse a Jesus que 200 denários não seriam suficientes para pagar a conta (Jo 6:7). Mas 300 denários dariam. O presente de Maria poderia ter pago a alimentação de milhares.” E Jesus viu em Maria o que deseja ver em nós: um reflexo do Seu amor e do Seu caráter.

A cada manhã, os delegados tiraram tempo para a oração. Depois da mensagem de Charissa, Melody Mason, autora do livro Ouse Pedir Mais (CPB, 2016), ressaltou que a vida cheia de correria é estéril. Temos que estar aos pés de Jesus, assim como esteve Maria. “Senhor, ajuda-nos a parar de crucificar a nós mesmos ou aos outros”, pediu no final do momento de oração. Uma sala também recebeu muitas pessoas que intercederam em grupo.

FESTIVAL E HOMENAGEM

Na sexta, 10 de junho, finalmente as sessões de negócios cessaram, e o público pôde admirar um espetáculo diferente. Foi um dia inteiro de cores, sons, bandeiras, trajes típicos, números, cenas de batismos e relatos das grandes coisas que Deus tem feito, tudo recebido com celebração e louvor. Começando com a Divisão Norte-Americana e terminando com a Divisão do Pacífico Sul-Asiático, cada uma das 13 Divisões teve 15 minutos para apresentar um retrato de suas conquistas. Para condensar os feitos de sete anos nesse pequeno tempo, o ritmo foi acelerado, dando uma forte sensação de movimento e cumprimento da missão.

Intitulado Missão Que Não Para, o vídeo da Divisão Sul-Americana, com um roteiro inteligente e boa execução, foi muito aplaudido. Enquanto histórias eram contadas, os dados relacionados àquela área apareciam na tela. No fim da apresentação, além do desfile dos representantes do território sul-americano, o quarteto Arautos do Rei, que havia aparecido no vídeo, cantou de forma presencial. Retratando uma igreja em movimento, o relatório destacou o batismo de 1.314.441 pessoas nos últimos sete anos. Com isso, a sede sul-americana chegou a 2.568.812 membros (veja mais).

“Foi um festival de visão e som enquanto os delegados testemunhavam o que João só viu em visão: a mensagem final de misericórdia de Deus indo a todas as nações, tribos, línguas e povos”, relatou em tom empolgado Shawn Boonstra para a Adventist Review. Para o pastor e orador do programa Voice of Prophecy, o desfile foi um lembrete de que, embora a pregação das três mensagens angélicas possa ser um trabalho extremamente solitário na linha de frente em campos remotos, nenhum de nós está sozinho nem cumpre sozinho a missão.

No sábado, último dia do evento, o público foi maior, porém longe das apoteóticas assembleias anteriores, em que 50 a 70 mil pessoas se reuniam para adorar a Deus. Após o estudo da Lição da Escola Sabatina e momentos de música inspiradora, o pastor Ted Wilson apresentou a costumeira mensagem do presidente. Usando a expressão “apegue-se ao que você tem” (ver 1Ts 5:21; 2Ts 2:15; Hb 3:14; 4:14; 10:23; Ap 3:11) como refrão para estruturar sua mensagem em 25 proposições/advertências, ele admoestou os ouvintes a manter firmes os fundamentos, princípios e valores bíblicos e adventistas.

No sábado à tarde, a igreja homenageou 32 servidores da Associação Geral e das Divisões que se aposentaram durante o período, somando 1.383 anos dedicados à igreja. Entre os nomes mais conhecidos, podemos mencionar L. James ­Gibson, que era diretor do Instituto de Pesquisa em Geociência, 51 anos de trabalho; Ekkehardt Mueller, teólogo do Instituto de Pesquisa Bíblica, 50 anos de trabalho; James R. Nix, diretor do White Estate, 49 anos de trabalho; Juan Prestol-Puesán, tesoureiro da sede mundial, 49 anos de trabalho; G. T. Ng, secretário executivo, 48 anos de trabalho; Wilmar Hirle, diretor associado do Departamento de Publicações, 37 anos de trabalho; e Ella Simmons, vice-presidente da sede mundial, 32 anos de trabalho. Ecoando a parábola dos trabalhadores na vinha (Mt 20:1-16),os que chegaram mais tarde e serviram por 20 e poucos anos também receberam a homenagem, que incluiu um certificado e uma cópia do livro The Retirement Years, de Ellen White.

Mas será que tudo termina com uma homenagem na assembleia mundial? E quem dedica a vida à missão de Cristo e não pode estar lá? E os milhões de anônimos que testemunham silenciosamente dia após dia sem nenhum reconhecimento? Seria tudo futilidade?

Ao trabalhar para Deus, o medo de que nosso esforço seja inútil pode nos frustrar, desanimar e paralisar a ponto de ruptura, conforme lembrou Ekkehardt Mueller, um dos aposentados da lista, em um artigo na revista Ministry em julho de 2021 (p. 6-9). Mas, em Cristo e por causa da vitória Dele, o que fazemos ganha propósito, sentido e relevância eterna.

Apesar de menos glamurosa que outras, a 61ª assembleia mostrou que Deus continua guiando a igreja e que ela será vitoriosa pelo poder do Espírito e pela graça de Cristo. “Não há necessidade de duvidar, de temer que a obra não terá êxito”, incentivou Ellen White em um artigo na Review and Herald, em 20 de setembro de 1892. “Deus está à frente da obra e porá tudo em ordem. Se, na direção da obra, houver coisas que precisem de ajustes, Deus cuidará disso e agirá para corrigir todo erro. Tenhamos fé que Deus vai pilotar em segurança até o porto a nobre nau que conduz Seu povo.” Pelo Mississippi, pelo Amazonas, pelo rio Amarelo, pelo Atlântico, pelo Pacífico ou pelo Mediterrâneo, Deus guiará o navio do adventismo até o mar de vidro, no porto celestial.

SAIBA +

63% dos membros da Comissão de Nomeações atuaram pela primeira vez na função e 81% são empregados da denominação

A estrutura administrativa da igreja envolve 13 Divisões, 138 Uniões, 418 Associações e 313 Missões que administram 169.268 congregações (95.889 igrejas e 73.379 grupos)

22 milhões é o número de membros que a Igreja Adventista tem em 213 países

367 é o número de famílias de missionários adventistas ao redor do globo

(Publicado originalmente como matéria de capa da Revista Adventista de julho de 2022)

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